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valparaiso, a noiva do pacífico

Foto do escritor: CatarinaCatarina

1 a 3 de Maio, 2018

Podemos dizer que não nos desiludimos com Valparaíso. Chegamos sem expectativas, apenas com algumas imagens dos grafitis coloridos e das íngremes ladeiras.



A primeira noite, ao chegar, foi passada a procurar um hostel para o Borja em Vinãs del Mar. Depois de muito buscar lá percebemos que seria uma missão impossível, por isso cambiamos o plano e fomos até Valparaíso, não sem antes partilharmos um jantar a três na carrinha: massa, amendoins e vinho foi o menu. À primeira tentativa de hostel em Valpo BAM! "Habemus dormida". Voltamos assim os dois a Vinãs para dormir sossegados em frente ao mar. Dedicamos o dia seguinte a tentar encontrar um telemóvel novo porque o nosso partiu o ecrã - sim, toda a electrónica está a colapsar no Chile - mas sem sucesso. A tarde dedicamo-la a escrever. Pela noite fomos espreitar um café concerto que nos tinham recomendado (uma senhora meteu conversa connosco no estacionamento). Como não era muito a nossa onda ($$$) seguimos para o cerro alegre num ponto que tínhamos visto no iOverlander como tranquilo para dormir.



Na manhã seguinte arranjamos internet num café e combinamos com o Borja na casa do Pablo Neruda. Como chegamos cedo, aproveitamos os simpáticos jardins da casa com vista para a baía e almoçamos uma rica saladinha. Entretanto já os três reunidos fomos visitar a La Sebastiana e adoramos! Conhecemos um pouco mais a história do poeta e deliciamo-nos com o seu gosto kitsch para decoração. É uma casa labirinto, uma casa surreal.



Daí voltamos a baixar o cerro - não há como visitar Valpo sem que se fique com dor de pernas - e fomos comer empanadas e beber cerveja ao nosso primeiro tasco na América Latina. Só faltou mesmo o bagaço com mel para terminar. “Ah, Chico dos Presuntos, o quanto te sentimos a falta…”. Demos umas voltas pelo centro e voltamos a Viñas, desta vez de bus, para ver o pôr do Sol. Aí na praia experimentamos o pêndulo do Borja, recém comprado e apesar de lhe faltar treino parecia estar a funcionar (semi crentes, semi cépticos, não deixamos nenhum possibilidade de parte).

Voltamos a Valparaíso e partilhamos um jantarzaço no seu hostel. Nós voltamos a pé para casa, tentando compensar a Levi pelo dia de “função alarme” com miminhos.



O dia seguinte era o último do Borja em Valpo, por isso encontramo-nos cedo para fazer a free walking tour da manhã. E valeu mesmo a pena! O guia contou-nos a história desta cidade portuária e conduziu-nos pelos caminhos montanha russa dos vários cerros. Valparaiso foi dos mais importantes portos comerciais entre europa e américa do sul até à abertura do canal do panamá em 1914, desde ai a zona ribeirinha, pautada por grandes armazéns (bodegas) e palacianas casas senhoriais, foi-se degradando. O que antes foi áureo, hoje é a zona mais pobre e só com muita imaginação conseguimos imaginar a movida de antigamente: intrépidos exploradores europeus chegando em barcos para explorar o mais possível os recursos desta terra. A própria cidade está organizada por comunas: a alemã, a holandesa, dinamarquesa, etc... que ainda hoje mantêm os mesmos nomes.


"VENTANA de los cerros! Valparaíso, estaño frío, roto en un grito y otro de piedras populares! Mira conmigo desde mi escondite el puerto gris tachonado de barcas, agua lunar apenas movediza, inmóviles depósitos del hierro. En otra hora lejana, poblado estuvo tu mar, Valparaíso, por los delgados barcos del orgullo, los Cinco Mástiles con susurro de trigo, los diseminadores del salitre, los que de los océanos nupciales a ti vinieron, colmando tus bodegas. Altos veleros del día marino, comerciales cruzados, estandartes henchidos por la noche marinera, con vosotros el ébano y la pura claridad del marfil, y los aromas del café y de la noche en otra luna, Valparaíso, a tu paz peligrosa vinieron envolviéndote en perfume. Temblaba el "Potosí" con sus nitratos avanzando en el mar, pescado y flecha, turgencia azul, ballena delicada, hacia otros negros puertos de la tierra. Cuánta noche del Sur sobre las velas enrolladas, sobre los empinados pezones de la máscara del buque, cuando sobre la Dama del navío, rostro de aquellas proas balanceadas, toda la noche de Valparaíso, la noche austral del mundo, descendía."

Pablo Neruda, em Canto General (1950)


Mais recente é a história da arte urbana em Valparaiso, o que hoje é um dos mais atrativos turísticos da cidade antes foi um grito de liberdade. Durante a ditadura, grupos de graffiters juntavam-se durante a noite para em menos de 5 minutos pintarem um parede com frases e imagens de liberdade. Tinham de ser extremamente rápidos para não serem apanhados pelos carabineiros. Este movimento foi tão forte que, contaram-nos, o próprio Pablo Neruda conseguiu trazer vários amigos artistas para pintarem as paredes, entre eles o Diego Rivera e diz-se que foi daqui que nasceu o gosto pelas pinturas murais, tanto no México como em outras partes da América do Sul.

Valparaiso tem uma ligação muito forte à ditadura, foi deste porto que sairam os barcos da marinha, em 11 de setembro de 1973, o dia do golpe militar contra o governo de Salvador Allende. Como em vários outros lugares do Chile, a prisão de Valparaiso foi um espaço apropriado pela milícia para servir de prisão política, onde as pessoas eram tortura e muitas foram mortas, dai hoje em dia o centro cultural construído nesse mesmo espaço ser tão controverso, pois quase toda a gente teve algum familiar ou conhecido que passou (na melhor das hipóteses) por essa prisão.


"(...) Todo estaba podrido

como en el palacio de Santiago.

Aquí se abrían los bolsillos

del caporal, del Secretario,

no eran tan grandes como los bolsillos

del presidente, pero roían

el esqueleto de los pobres.

(...) "

Pablo Neruda, en "Otra vez, otra noche, fui más lejos", Canto General - o poema pode ser lido integralmente aqui


Despedimo-nos do nosso amigo com um almoço num espaço cultural muito engraçado, onde nos lambuzamos com uma paella de marisco e uma cerveja artesanal. Ver-nos-emos na Europa, amigo Borja! (:



À tarde tivemos uns problema logísticos com a sanita portátil, cujo os pormenores é melhor não mencionar!

De seguida fomos conhecer o projecto 7 Pétalos, de uns amigos da Caro. A Maria José e o Matias, irmãos, receberam-nos de porta e coração abertos. Contam-nos como têm um projecto de permacultura urbana e como a intervenção nas comunidades faz diferença na vida e confiança das pessoas. Partilhamos uma once e insistiram para que tomássemos banho. O primeiro banho quente em quase um mês!

Como no dia seguinte tínhamos que estar cedo no próximo WorkAway, despedimo-nos agradecidos e rumamos à nossa conhecida Copec, a estação de serviço, para passar uma noite rápida.



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