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ATACAMA, um oásis de serenidade

Foto do escritor: CatarinaCatarina


Os nossos dias dias no Atacama, apesar de alguns contratempos, foram marcados pelo silêncio, pelas cores pastel e por muito descanso. Ao fim de 6 meses de viagem já estávamos a precisar de NADA, abrandar o ritmo, não ver coisas novas, não conhecer novas pessoas, nem comidas nem lugares! É preciso um tempo para assimilar todas as aprendizagens e quando se está em constante movimento é difícil encontra-lo. Assim que o deserto apareceu como um oásis! Deixamo-nos envolver pela sua energia pacificadora, como se entrássemos num campo magnético de relaxamento e tudo propiciava este recolhimento: as paisagens languidas, o frio, a falta de atividade. E nós só sonhamos com um retiro de silêncio! Assim que decidimos “despachar” o seightseen turístico num par de dias e depois procurar um lugar para nos retirarmos. Claro que as coisas não correram como pensávamos, mas comecemos pelo principio…



Aproveitando, ainda, o fim de semana do património fomos visitar a antiga cooperativa saleira, onde chegaram a morar 5000 pessoas! Como a cooperativa é no meio do nada, tinham tudo o que “precisavam” lá dentro: casa, mercearia (pulperia), escola, centro de saúde, teatro, campo de jogos e até um hotel. Foi muito estranho imaginar este espaço populado de gente, que provavelmente viveu ali toda a sua vida. Se os espaços comuns eram relativamente agradáveis, as casas obreiras mais pareciam saídas de um campo de concentração, para o que, aliás, serviu mesmo. Anos depois da cooperativa ter já fechado, entre 1972 e 1974 metade do espaço foi ocupado como prisão política, na ditadura de Pinochet. Pelo que percebemos não era das piores, os presos até organizaram entre si uma universidade, em que cada um partilhava o que sabia. É muito incomodativo estar num espaço de prisão política, ativa no mesmo ano do nosso 25 de abril, existiam já os nossos pais, ou seja, recente recente, e imaginar que, se acontecesse de novo, poderíamos estar nós próprios presos, apenas por defendermos valores como liberdade (que por acaso era uma palavra proibida durante a ditadura).



No dia seguinte bem cedo seguimos para o Salar. Tomamos uma “ruta” secundária, que nos presenteou com belas paisagens. Tudo corria bem, até que decidimos sair da estrada principal para ir almoçar. Andamos e andamos e como o local não estava 100% do nosso agrado, decidimos voltar à estrada principal. Foi aí que, ao fazer inversão de sentido de marcha, atolamos. Sim, ficamos com a roda da frente direita completamente afundada em areia. Tenta tenta, cava cava, agora com pedras, agora com o macaco, agora com os tapetes, agora com água, perdemos 4 horas nesta brincadeira. Foi chato. Desistimos e fomos para a beira da estrada esperar que passasse um 4x4 para nos puxar. A mim chateava-me principalmente ter o peixinho fresco no frigorifico e estar a perder tempo com estas coisas, em vez de o comer descansadamente. Infelizmente nesta “ruta” só passavam camiões, foi o que nos disse o primeiro camionista que parou. Prometeu-nos que chegando ao “pueblo” mais perto iria ao carabineiros avisa-los que estávamos a precisar de ajuda. Agradecemos, mas sem grande expectativa nesta ajuda. Depois de meia hora à beira da estrada, sem que passasse nenhum 4x4 decidimos separar-nos; o Pedro continuou à beira estrada e eu fui tentar de novo sacar o carro. Molhei um pouco mais a terra, ajeitei as pedras, sacudi a carrinha e fiz ouvidos moucos aos seus rangeres e chiares, e…Txana! Saiu (: Finalmente pudemos comer o peixinho sossegados!!!



De volta à estrada principal, as rodas estavam a fazer um chiar ensurdecedor! Como já estava a ficar escuro e não percebíamos de onde vinha o ruído, estávamos mesmo a estacionar à beira da estrada para passar a noite e no dia seguinte chamar um reboque, quando apareceram os carabineiros!!! O camionista sempre tinha chamado ajuda e eles vieram mesmo (:

Em dois segundos perceberam que teríamos de tirar as rodas para ver que se passava, ligaram os máximos do seu jeep, colocaram cones à frente e atrás e lá ajudaram o Pedro a desmontar o carro. Afinal era só uma pedrita presa nos travões -.-´Aliviados e divertidos com este desfecho, seguimos em direção ao Salar, para dormir num ponto do Ioverlander.


A lua brindou o nosso caminho, e refletiu timidamente a sua luz no branco do sal, deixando-nos apenas adivinhar a magnitude que se revelaria no dia seguinte. O sitio onde dormimos era espectacular! No meio do Salar com companhia exclusiva do luar, parecia que estávamos noutro planeta, nem sons nem ventos nem luzes, além do que os nossos olhos podiam alcançar. Preparamo-nos para mais uma noite fria, valha-nos o nosso saquinho de agua quente em forma de Levi!



O amanhecer trouxe-nos ainda mais surpresa do que a noite anterior, estávamos realmente circundados por branco, até os paus eram brancos, tudo estava salgado. A Levi divertiu-se imenso a brincar com estes paus gostosos enquanto nos tomamos um grande pequeno-almoço e nos deleitamos com a paisagem. O dia foi dedicado a deambular pelo Salar e a visitar os pequenos “pueblos” no caminho até São Pedro do Atacama. Dormimos em mais um ponto espectacular, desta vez no meio do deserto, com pequenos tufos de erva e muita muita areia, com a lua cada vez mais cheia. De manhã dedicamo-nos às “artesanias” (bichinho que o Marco e a Karen nos deixaram) e entretanto fomos visitar a Laguna Cejar, uma poça de agua no meio do Salar, onde devido à concentração de sal se podia flutuar!



Estivemos primeiro à procura de flamingos nas duas lagoas, onde não se podia nadar, até conseguirmos arranjar coragem de tirar a roupa e aventurarmo-nos nas águas geladas e profundas da lagoa Cejar. E como flutuava! Era uma sensação incrível Atirávamos com uma perna para dentro de água e imediatamente “Blup” ela vinha ao cimo! A custo vencemos o frio e atiramos todo o corpo para a lagoa, que divertido! O Pedro conseguiu flutuar pela primeira vez e gostou muito da sensação de ter o corpo sem peso (: Aguentamos 5 minutos e corremos para as toalhas, aquecendo-nos ao sol. Almoçamos uma refeição tardia, aproveitando a calmaria destas lagoas e provamos um fruto muito estranho, fruta da paixão, uma mistura de maracujá com moringa, era engraçado.



Tínhamos como plano ir visitar uma outra lagoa e também o “Valle de la Luna”, nesta mesma tarde, mas estávamos tão relaxados e as distâncias também são consideráveis, que ao tentar fazer as duas coisas não chegamos a tempo de nenhuma. É importante contar que tudo no deserto do Atacama se paga e não são preços nada meigos, por isso, de toda a oferta turística tivemos de escolher apenas algumas. Bom, deixamos o vale para outro dia e fomos espreitar a noite no “pueblo” de San Pedro de Atacama. Estava cheio! Surpreendeu-nos ver esta vila tão plácida de dia, fervilhante de vida nocturna, havia gente em todas as ruas, restaurantes gritavam os seus menus e bares anunciavam distintos “tragos” (bebidas) flurescentemente. Apesar de estarmos com vontade de jantar fora nenhum nos convenceu, demasiado turístico para o nosso bico, portanto fomos procurar um lugar para passar a noite. A cruz, foi a resposta. Estacionamos a carrinha a uns 2km de San Pedro, num pequeno morro virado para o Vale de Marte, mesmo debaixo de uma cruz. Esta foi a noite em que a lua brilhou em todo o seu esplendor. Não estivesse tanto frio e nós tão cansados do dia e teria dado perfeitamente para ir fazer uma caminhada nocturna pelos retorcidos vales que nos avizinhavam.



Amanhecemos energéticos e rumamos a Calama, com o intuito de visitar a maior mina a céu aberto do mundo. A viagem ofereceu-nos bonitas paisagens, e apesar da altura tapar os ouvidos e pressionar a cabeça fomos entretidos com a contemplação. Chegamos uma hora antes, e por pouco perdemos a visita, é que a CooperMine, empresa detentora da mina e organizadora das visitas, oferecia parque de estacionamento seguro mas proibia a permanência de animais dentro do veiculo, como aliás em todo o Chile. Pânico! Como vamos encontrar agora um parque, seguro, com sombra??? Andamos à voltas, entre parques de supermercados e ruas aleatórias até que encontramos uma bomba de gasolina com sombrinha, pedimos autorização e deixaram-nos estacionar lá, desde que consumíssemos algo na loja! Engolimos dois cachorros e duas coca-colas em andamento e conseguimos chegar mesmo em cima da hora! Ufa (:



A visita em si foi bastante engraçada, começamos por visitar a, agora fantasma, aldeia de Cuchicamata, exclusiva de trabalhadores da mina. Em tudo era semelhante à cooperativa saleira, mas mais nova, a ultima família saiu em 2008, e alguns edifícios ainda são utilizados para festas anuais, Natal etc. Mais parecia uma aldeia de cenário, como se fosse um estúdio de filmagens, do que propriamente uma aldeia abandonada. De seguida fomos ver a mina em si e “bam”! é impressionante o que o Homem consegue fazer. O buraco tem vários quilómetros de largura e ainda mais de profundidade! Os camiões extractores demoram 20 minutos a descer e uma hora a subir, e consomem 25 litros de gasóleo por cada quilometro percorrido! Mas a escavação esta a esgotar-se, portanto já estão a construir outra subterrânea, que começa a operar no próximo ano, enquanto esta vai fechando gradualmente. Fazem todo o processo de extração e refinação do cobre, nesta mina. Para nós tudo isto é bastante chinês, mas foi uma visita interessante. De regresso a San Pedro, com a lua a iluminar o nosso caminho, vimos a paisagem transformada pela luz, e imaginamos-nos, facilmente, num outro planeta que não a terra.



Na manhã seguinte separamo-nos: o Pedro foi tratar das pastilhas de travão, que deram de si, e eu fui comprar postais e tratar do blog, na biblioteca pública. Esta biblioteca ficava mesmo em frente à escola por isso pude observar a azáfama quotidiana deste pueblo de paredes de terracota, e também, pela primeira vez, rostos com feições completamente distintas e as mais variadas cores na gama de café com leite. Já as crianças, são iguais em todo o lado! Alegres, brincalhonas e reguilas.


A tarde dedicamo-a a comer alfajores e a observar a rua. Partimos com o intuito de encontrar um sitio para acampar cedinho, fazer o jantar e gozar de uma noite tranquila, mas não se passou assim. Andamos demais, deixamos escurecer antes de montar o acampamento e quando nos decidimos arriscar numa estrada secundária atolamos. Também ficamos sem combustível e ao usar o jerry can entornamos gasóleo em todo o lado, portanto, de tranquila, a noite, não teve nada. O frio chegou surpreendentemente intenso e obrigou-nos a aninhar na carrinha, contemplando o espectáculo da lua cheia pela janela.



O Atacama é uma dos zonas mais áridas do mundo, e isto levou-nos a pensar numa terra inóspita e desértica, mas não é assim! Tem um vale central, onde se encontra o Salar, e está rodeado por grandes cordilheiras e vulcões, a vegetação, apesar de seca, é abundante no vale central (à excpeção do sal, claro) e depois vai escasseando à medida que aumenta a altitude, deixando as cordilheiras como amontoados rochosos, apenas. As pedras e a terra têm várias cores: branco, cinzento, verde, acobreado, avermelhado e terracota, é para nós uma surpresa que a terra possa ser tão colorida. Os tons claros e terracentos dominam a paisagem geral, excepto quando o por-do-sol pinta tudo com um tom forte rosado. É uma paisagem como nunca vimos, e todos os dias nos conseguia surpreender.

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