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Não só de argila, areia e água se fez este voluntariado. Num Sábado pela manhã, de roupa suja de barro e mãos gretadas do trabalho, sentamo-nos com as crianças no domo-carpa para uma aula audiovisual.
A ideia seria introduzir aos meus pequenos pupilos as noções básicas de produção e realização dum vídeo. Começamos por fazer um brainstorm de elementos que compõem um filme. "Música!", narrativa, actores e cenário foram algumas das palavras ouvidas. Através destes elementos partimos para a explicação das várias fases de trabalho e dos distintos cargos e respectivas funções.
Ainda não tinham passado 20 minutos e o interesse destes conhecimentos não fora mágico o suficiente para que a minha voz monótona não empurrasse a turma para o campo da distracção, despertando a suas atenções em coisas mais importantes, como por exemplo brincar com o borboto da carpete. Por sorte não estou sozinho e a minha companheira, ágil e experiente com crianças, assumiu o controlo da classe, remetendo este aborrecido professor para o esclarecimento de meras questões técnicas, eventualmente levantadas pelos alunos mais curiosos.
A segunda parte foi dedicada à construção duma história com o objectivo de fazermos uma curta-metragem. Aqui a coisa começou a ganhar outra animação. Muitos atiraram o barro à parede - pela primeira vez na semana, não literalmente! - e tentaram as ideias mais estapafúrdias que lhes ocorreu. Tal como o processo dum filme de publicidade, quando se dá demasiada liberdade aos criativos, o realizador é que arca com as consequências ficando com uma batata quente e um filme na mão para resolver.
Assim, no final daquela manhã, saímos do domo-carpa com a história duma detective que resolve o caso dum assalto a um museu, onde durante a noite dois dinossauros foram roubados com recurso à tecnologia dum chip que quando implantado lhes dá vida e movimento. SPOILER ALERT: o ladrão não é capturado porque foge num pónei! Simples, portanto.
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Em casa, começamos por fabricar todos os adereços e guarda-roupa com a ajuda da mãe Caro. Novas ideias não paravam de surgir e o lar foi tomado por uma azáfama laboral. Cartões e lápis de cera caiam das mesas para o chão; baús de brinquedos e roupas antigas foram revolvidos; gargalhadas e tesouras rodopiavam no ar. Fizemos a aprovação de guarda-roupa com o casting e por entre os trabalhos de direcção de arte ouviam-se frases como "Isso não sei, tens que confirmar com o realizador". Senti-me de volta ao trabalho, por momentos. Tal como numa produção profissional, definimos um PAF - pronto a filmar - e tudo ficou pronto para o dia seguinte.
O despertador ainda não tinha tido tempo de se armar em galo e já ouvíamos as crianças lá fora. Vieram acordar-nos quase de madrugada! Estavam super entusiasmados e motivados para começar. O catering já estava pronto e tudo! Foi o tempo dumas alterações de última hora (sempre acontecem...) e encontramo-nos no set de filmagens, com uma hora de atraso.
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Nunca tive a experiência profissional de filmar com crianças, mas acredito que é algo que pode trazer o melhor e o pior de nós ao mesmo tempo. Contar com a colaboração e energia destes pequenos seres para nos ajudar a construir algo que fazemos com uma paixão também um pouco infantil é uma sensação muito bonita. Por outro lado, quando os mini-ajudantes de películas se fartam e desconectam do que estamos a construir juntos, pode fazer crescer uma grande frustração em apenas 5 frames.
A produção do pequeno filme acabou por tomar proporções hollywoodescas. Os actores mais novos revelaram-se cómicas vedetas que só trabalham quando estão para aí viradas. O plano de produção acabou por ser multiplicado de um dia para dois e uma tarde. No entretanto, o realizador foi mordido por um cão e pela primeira diarreia da viagem; uma das actrizes quase formatou o cartão de memória com todos os takes lá dentro; instrumentos musicais apareceram destruídos da noite para o dia quando todos estavam a dormir - cães incluídos; rumores dum puma perto da propriedade começaram a ser espalhados; mais um par de peripécias.
Mas como todos os grandes filmes da história, a coisa não só ficou feita, como não transparece em nada todos os tumultos. Afinal de contas, a sétima arte é tão mágica pela arte de contar uma história na tela, como por ocultar as mil e uma outras histórias que se passam por trás.
Como amante de imagens esta experiência foi um desafio.
Como viajante esta experiência foi das mais envolventes.
Como alguém que procura o melhor do mundo dentro e fora de si, emocionou-me muito a felicidade com que crianças e adultos desta família que nos recebeu, receberam também esta pequena oferenda.
Obrigado.
Discurso do realizador concluído, vamos dar início à sessão.
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