top of page

Take a walk On The Wild Side

Foto do escritor: PéterPéter


Desde o início, quando contávamos às pessoas a nossa aventura, todos afirmavam gostar de estar no nosso lugar. Muitos apreciam o nosso desprendimento, outros tantos associam-nos a palavras como coragem e inveja. Quando criamos o blog, os comentários que nos chegaram vinham da geração dos nossos pais. Não o esperávamos. Falavam da nossa viagem como se fosse a sua. Pediam-nos relatos com a fome de quem quer ver em primeira mão o que os nossos olhos absorvem. O desejo de sentir na pele.


Não há preço físico no Mundo que avalie o que os nossos corações sentem. Os nossos corpos estremecem. No mesmo dia aprendem a ser tão pequenos e tão grandes. Num passo as pernas vacilam, no seguinte pisam a terra com a mesma firmeza desta. Tivesse eu o dom da palavra e não saberia descrever de igual forma o que nos arrebata. Não é uma coisa diária, senão rasgos de luz. Rasgos profundos que atingem a carne, arrepiam até o osso e num momento tudo se torna translúcido. Observo as minhas mãos como se fossem novas. Sou um eu novo e nunca fui tanto esse eu.


A ciência poderia avançar num ápice e nunca envasilharia esta sensação num frasquinho. Faltaria-lhe a imensidão. A grandeza do não-conhecido, a vastidão do nunca e do para sempre. É um erro combater o medo. Nos dias da ansiedade a Humanidade deveria recear os ansiolíticos. Eles, sim, são perigosos. O medo faz-nos ser capazes de feitos incríveis. Do velho Japão um conto relaciona-nos com um rio. Este também morre de medo quando está perto de desaguar no mar. Relembra todas as paisagens pelas quais passou desde que partiu da Montanha. As crianças que em si nadaram, os casais que viu namorar sentados e aos quais refrescou os pés e a alma. As folhas que albergou no seu leito quando o Outono despiu as árvores, os animais com os quais criou amizade. Mas um novo ciclo aproxima-se. Ele fará parte de algo maior. Em breve será Oceano. E por isso tem medo de perder a sua identidade.


Nós desaguámos neste continente. Encontramos a liberdade na terra onde muitos apenas conheceram a escravidão. Viajamos por fora, viajamos por dentro. Reencontramos valores como o agradecimento e o respeito. Aprendemos o que é o cuidado. Tornou-se parte de nós esta dádiva de saber cuidar. Daria a mão a qualquer uma destas pessoas que nos coage com uma esperança futura. Vão-se juntar a nós. Vão copiar a nossa aventura. Escutamos promessas tímidas que um dia também o farão. Ou melhor, que um dia também o fariam. Porque por mais que respeite os seus desejos, suspeito que a minha mão sempre ficaria pendurada no vazio sem nenhuma outra que a agarrasse.


Eu que sempre fui da misantropia, agora sinto necessidade de partilhar. E não obrigatoriamente porque estou feliz. Talvez porque acredito que um dia a minha mão já velha mas tremulante será agarrada por outra. Talvez porque acredito numa vida mais saudável. Porque acredito que aquilo que hoje é um sentimento vibrante mas raro, amanhã será igualmente vibrante mas comum. O Sr. Fukuoka plantava arroz como ninguém e, se fosse preciso, faria crescer acelgas e beterrabas num deserto, seguramente. Mas o seu maior contributo foi a consciência da não-acção. Muitas vezes, o melhor que pudemos fazer é não agir. O melhor conhecimento é o não-pensar. A melhor forma de nos revestirmos é despirmo-nos. Mas para isso é preciso aceitar que a perfeição é tão aborrecido como o óbvio. Compreender que não há nenhum caminho espiritual pacifico, limpo e estável. Essa falsa estabilidade que tanto nos alertaram que estaríamos a comprometer em prol de viajar e, afinal, descobrir que existe tudo isto.


O convite que vos faço é o de dar um passeio pelo lado selvagem. Por aqui moramos numa casa rolante sem saber onde vamos dormir amanhã. Abraçamos a imprevisibilidade como ela é, e não lhe reconhecemos nem um lado positivo nem um negativo. Apenas existe. Pela noite, adormecemos de costas voltadas. Pela manhã, acordamos abraçados. Combatemos o frio com mantas e a companhia do cão, aquecemos as mãos no fogão e do chão já provamos neve e sal. Experimentamos o receio e a confiança. Ficamos dias sem tomar banho e meses sem o fazer com água quente. Enrolamos cigarros com folha de bananeira. Encostamos o carro para arrancar frutos das árvores, servimos a comida directamente da horta para o prato ou enchemos o carrinho com a porcaria mais barata do supermercado. Debaixo das unhas temos terra, em cima da cabeça temos o momento presente. Aquecemos o café numa fogueira junto ao lago ou num posto de combustível entre dois camiões e o mijo dos respectivos condutores. Aprendemos a viver com menos e descobrimos que na verdade isso é viver mais.


Passear pelo lado selvagem não é o típico cocó na mata, embora também suceda quando não há melhor alternativa. É aprender a reconhecer como uma identidade superior os elementos naturais. A água não é um recurso, é um ser vivo. O fogo não é um utensílio, é um ser vivo. O vento é uma fonte de energia e não uma fonte de mal estar. E a terra… a terra é a mãe. Passear pelo lado selvagem é entregarmo-nos à falta da tal estabilidade para perceber que há uma harmonia no Mundo, e ao contrário do que nós pensamos, estamos muito longe de sermos nós quem define qual a nossa posição e as nossas opções. É arrancarmos o nosso corpo áquilo que está habituado a ser e afogar o nosso ego bem longe da sua zona de conforto. Passear por estas bandas selvagens é não temer a insegurança física e, sobretudo, a emocional.


Nós aprendemos a passear pelo lado selvagem enquanto viajamos. Mas o lado selvagem é muito mais extenso do que isso. Não é preciso apanhar um avião e ir visitar o outro lado do Mundo. Não é preciso deixar o emprego nem separarmo-nos da nossa família. Não passa por deixar a cidade e ir viver para o campo. Nem tão pouco passa por aquilo que vestimos. Não está obrigatoriamente relacionado com a alimentação. Não está definitivamente relacionado com a cultura ou o grau académico. Acredito que para passear pelo lado selvagem basta propormos-nos a abandonar tudo aquilo que temos como moralmente garantido. Inspirar bem fundo e desviar a nossa atenção para aquilo ao qual tudo parece estar programado para não repararmos. Não estremunhar a mudança. Não definir o futuro sem que ele sequer tenha chegado. Não ancorar o navio no passado e ficar a ver a maré passar sem lhe acompanhar o ritmo. É para isso que eu tenho a minha mão estendida.


É isto que significa juntarem-se a nós.

Fica o convite.

1 comentário


Dulce Carvalhinho
Dulce Carvalhinho
10 de set. de 2018

Convite aceite, com algumas reservas: Não tenho a vossa coragem!!!! Tenho muita admiração!!!! Acredito e sinto tudo aquilo que transmitem!!!! Que linda e única história que fica nas vossas vidas!!!! A geração dos vossos pais é uma geração fantástica, geração de muitas mudanças, ávida de saber e conhecer coisas novas com a geração dos filhos, a VOSSA!!!!! Mas acrescento, nem todos têm tanto para dar como vós!!!! Obrigada aos dois jovens corajosos!!!!!

Curtir
bottom of page