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Paraguay Love Story II

Foto do escritor: PéterPéter

Atualizado: 29 de mar. de 2019




Na partida do Lago Ypoa ainda tivemos direito a um doce de leite caseiro e um queijo igualmente artesanal. Foi assim - de boca doce - que nos fizemos à estrada. No Paraguay 100km podem significar um dia de viagem. Eu e a Catarina gostamos de acordar cedo, mas os nossos vizinhos demoravam mais a descolar da cama. O que era bom. Acordávamos cedo, fazíamos um pouco de exercício e por norma líamos. Quando os vizinhos ensonados saltavam de sua casa, já tínhamos muitas vezes o pequeno almoço pronto à sua espera. Precisamente os pequenos almoços eram a alma da nossa amizade. Eram fartos e feitos para alguém cheio de apetite. Desde crepes, a sumos naturais, saladas de fruta, aveia, compota de tomate ou mamão, tudo devorávamos ávidos de mais um dia de aventura colectiva.



Como consequência essa aventura só começava ao meio-dia, pois com o tempo de arrumar e limpar o banquete todo, a coisa não podia ser de outro jeito. Desta forma, chegamos ao portão do Oleeg (um contacto que nos tinham passado) já de noite. Batemos, procuramos uma campainha e quase saltamos a barreira, mas ninguém apareceu e voltamos para trás. Seria hora de afogar a frustração numa pizza sem sal que comemos sem cerimónia nenhuma. Como cenário para dormir o melhor que conseguimos foi uma espécie de parque municipal no cimo da cidade, aqueles parques onde os casais que ainda vivem com os pais vão tratar das suas necessidades fisiológicas. Ainda tentamos um outro local aparentemente um pouco mais selectivo, mas fomos expulsos aos berros por um homem que devia estar a ter um dia mesmo muito mau. Ainda não tínhamos lavado os dentes e a polícia bateu-nos à porta. Como muitas vezes acontece, estavam mais interessados em saber que tipo de aliens somos nós, do que propriamente averiguar qualquer coisa de legal. Depois de dois dedos de conversa foram à sua vida. No entanto, não foram muito longe. Estacionaram a poucos metros de nós e puseram música aos berros. Se calhar eram um daqueles casais que referi. Sim, bienvenidos al Paraguai.







No dia seguinte pela manhã (ou quase final dela) voltamos ao portão do Oleeg. Diga-se: o portão correcto! Fomos muito bem recebidos por este amável senhor que - segundo a sua descrição - é um ex-agente KGB à muitos anos refugiado no Paraguai. Dominava a língua guarani exactamente como um nativo. Explicou-nos que um dos testes para entrar para a agência é conseguir dominar uma língua estrangeira com sotaque e vocabulário típico duma região ou cidade em especifico. A Catarina não acreditou em nenhuma palavra. Eu adorei. Não interessa se é verdade, a história era boa e a personagem bem construída. Para mim é o suficiente. Conversamos durante algum tempo à volta da mesa da cozinha e de algumas cervejas que não paravam de saltar do frigorifico. Falou-nos da sua história, de alguns episódios de quando era agente durante a queda do muro de Berlin, assim como do seu espaço e quais as suas intenções para o mesmo.




Fomos convidados a ficar o tempo que quiséssemos com a liberdade de ocupar dois quartos ao ar livre tão bem enquadrados na paisagem. Demos continuidade às noites de fogueira. As meninas sempre recolhiam-se mais cedo, sobrando eu e o Alex trocando silêncios mútuos e sugando as pipas de camomila, deixando pouco espaço para palavras vagas, apenas as mais bonitas. E assim fomos estreitando a nossa amizade. Não foi a primeira vez que a Jeanne e o Alex viajaram em grupo. Na verdade, um outro casal com quem já tinha viajado estava prestes a chegar do Brasil e a ideia seria encontramo-nos com eles a certo ponto. Mas uma manhã fomos aturdidos com a notícia que eles já se encontravam em Arigua. Apesar de viajarem com uma T3 eles movimentam-se a uma velocidade fulgurante e, depois, de percorrerem o litoral brasileiro em três meses, pelos vistos entraram no Paraguai ainda com o lanço dessa jornada. O Pablo e a Ester juntaram-se então a nós. Chegaram de noite e trouxeram vinho para enriquecer o convívio. Assim, Dom Portillo acendeu uma fogueira que - segundo ele - duraria até o sol nascer.




Dom Portillo era o caseiro do espaço. Um homem que aparentava os 60 anos. Bem sorridente e muito falador, principalmente com a ajuda dum copo de vinho, que sempre insistia em recusar uma primeira vez por boa educação, acredito. Morava com a sua mulher a uma distância curta que fazia com a sua moto. Do filho disse-nos que estava muito bem na vida. Da mulher pouco falou. O seu tema preferido era a música, pois aos Domingos tocava sempre em eventos, principalmente festas de aniversário. Nesse mesmo dia, deveria ter ido com a sua banda, mas a festa foi cancelada à última da hora. Quando Oleeg está fora, Portillo passa muito tempo sozinho na propriedade. Como tal com o calor da fogueira e do presente do Pablo e da Ester, os sentimentos começaram a vir ao de cima. Acabou por nos agradecer imenso pela nossa companhia e fez trinta por uma linha para que nada nos faltasse, parecendo uma avó quando por boa vontade nos quer intoxicar com comida. O fogo realmente durou até de manhã, mas nós não. Aos poucos e um a um fomo-nos recolhendo aos nossos lares ambulantes.


Aventureiros da nova geração não usam mapas, o que deixa a fotografia menos bonita. Três cabeças debruçam-se em cima dum ecrã digital. Há que decidir para onde ir e como ir, e darmos início à Caravana! Na frente a Delica franco-canadiense, robusta, verde e cheia de força. Logo atrás, a nossa casa com as suas malas em cima, as decorações a balançar e a música a sair pela janela. Por fim, um pedaço de história laranja. A bonita T3 que inspira gasolina e expira charme e classe com as suas linhas quadradas e os seus faróis de aspecto tímido. As estradas no Paraguai não são exemplo de construção, mas são um óptimo cenário. Um cenário sempre bem iluminado. Nas bermas há de tudo. Os churrascos, os quiosques, os barbeiros, as oficinas onde não vais querer ir com o teu carro. Junto à estrada há quem venda frutas; laranjas, bananas; há quem venda bolas de futebol também. Pela nossa direita ultrapassam-nos as motos. Famílias variadas em cima duma motocicleta de rodinhas franzinas. A mãe conduz, a filha mais velha vai atrás e entalados entre as duas, os irmãos mais novos. Aqui não é obrigatório aulas para tirar a carta. Apenas uma exame médico convencional e dinheiro para pagar a licença de condução. Como tal, conduzir dentro ou fora das áreas urbanas pode ser um jogo cheio de adrenalina. Só uma vez foi o suficiente para apanharmos um valente susto. Ou melhor duas. Da primeira íamos levando com um carro em contra-mão, da segunda um camião arrancou-nos o espelho retrovisor, quando se recolhia após uma ultrapassagem. (Sim! O mesmo espelho que já se havia partido no contentor logo ao início. Definitivamente não estava destinado para esta viagem!)



Contudo, a caravana não durou muito tempo. Como um móvel do Ikea que já foi remontado, a nossa caravana desmoronou-se. Um som de mola partida começou a soar na nossa direcção. A cada pequena cova na estrada, a carrinha rangia como um velho a levantar-se da poltrona. Quilómetro após quilómetro o ruído aumentava, o que nos assustou e nos fez decidir ir procurar uma opinião mecânica com urgência. Deixamos os nossos amigos para trás, e fomos em direcção à cidade mais próxima. Poucos minutos depois, o cabo de acelerador da T3 rompeu-se, deixando o Pablo e a Ester pelo caminho também.


Tínhamos combinado reencontrarmo-nos no Salto Cristal, uma cascata que queríamos visitar. Já se tinha posto a noite e o nosso telefone não tinha rede nesta região do país. Orientados pelo mapa, que por vezes complica mais do que ajuda, lá fomos procurando o início da trilha de terra que levaria à cascata. Por sorte, os nossos amigos Alex e Pablo lembraram-se de nos vir receber numa das carrinhas junto à estrada principal, enquanto a Jeanne e a Ester ficaram com outra já junto à cascata adiantando o jantar. De máximos ligados por entre os chuviscos, lá nos fomos adiantando por entre a trilha de terra que, a pouco e pouco, se tornava numa estrada marciana repleta de caracteres em subidas agrestes. Para nossa surpresa, de repente deparamo-nos com um portão fechado a cadeado, tornando-se impossível prosseguir (uma vez mais!). “Ainda há pouco passamos por aqui!” garantiu o Alex. Juntamente com um vizinho que se aproximou lá inspeccionamos o portão de madeira e como o poderíamos desmantelar, pois ninguém tinha um martelo para dar umas marretadas no cadeado. Ao fim de algum tempo, o vizinho lá nos disse que existia um caminho “alternativo”. Bem, se o caminho até agora já tinha sido uma valente merda, nem queria saber como era o “alternativo”. Mas nós estávamos sem rede e os nossos amigos ficaram sem bateria, por isso não havia como contactar as meninas no acampamento, o que não nos deixava outra “alternativa”. Mais buraco, menos buraco, a coisa lá se resolveu. Não há nada como acender mais uma fogueira, para retirar as más energias do corpo e da mente. Abrimos outra garrafa de vinho e a conversa estendeu-se até o sono chegar. O dia fora longo e a noite seria curta.



A manhã nasceu bela e solarenga. Enquanto o Pablo e a Ester aproveitaram para limpar uma pilha de roupa suja, fomos os quatro à cascata. Para lá chegar tínhamos que descer a escada mais vertical que alguma vez já vimos. A vertigem era compensada com uma cascata cinematográfica, que desaguava numa bacia exótica e profunda. Pusemos o rabo de fora e mergulhamos. A água estava bem gelada. Deitamo-nos nas rochas como leões marinhos partilhando um mate quentinho. Para o almoço fizemos uns deliciosos hambúrgueres de beringela na fogueira. E ali passamos o dia de barriga cheia - mais uma vez - e uma boa dose de espanhol para charlar que nem passarinhos. O acesso à cascata era privatizado e combinamos um preço para acampar apenas uma noite com o dono da propriedade. Mas a preguiça acabou por se apoderar de todos nós e sem dar justificação às tropas, recolhemos para dormir quando a noite era uma criança.

O dia seguinte amanheceu triste. O céu encobriu-se de nuvens escuras e tenebrosas, a chuva caiu e atrapalhou toda a nossa arrumação. Ainda era necessário pagar. A Jeanne e o Alex despacharam-se mais rápido e foram na frente até à saída da propriedade. Obviamente o dono estava com intenções de nos cobrar a noite extra - Paraguaio não perdoa. Os nossos amigos deram início à negociação lastimosa de efeito emocional e objectivo de apelar ao coração do ouvinte que se encontra numa situação de maior vantagem face à nossa carteira. Ou por outras palavras, o “choradinho”. Lá argumentaram que não tínhamos dinheiro suficiente connosco, o homem não cedeu. Disseram que viajávamos com muito esforço financeiro, o homem não cedeu. Inventaram que dormirmos mais uma noite porque uma das carrinhas avariou, o homem não cedeu. Justificaram que adormecemos todos sem querer, o homem não cedeu. Ao fim de tantas tentativas, como um sinal de intimidação, o homem - duro que nem um osso para roer - decidiu mostra-lhes subtilmente que estava armado. De repente, estávamos todos disponíveis para pagar com cartão se fosse preciso!


Já na estrada, despedi-mo-nos dos nossos amigos novos. A estadia do Pablo e da Ester fora mais curta do que estávamos à espera. Trocamos indicações de lugares no Brasil por informações sobre as estradas na Bolívia, para onde eles se dirigiam. Foram dias bem passados e as férias das férias continuavam para os suspeitos do costume. Próxima paragem Salto Suizo.

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