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Paraguai Love Story: I

Foto do escritor: PéterPéter


Quando saímos de casa do Raúl a noite já se tinha posto. Depois de termos passado a tarde a cozinhar, todos estávamos com fome. Parámos no primeiro restaurante de esquina, ainda com aquele constrangimento inicial de não sabermos entre todos se o orçamento dos vizinhos poderia acarretar uma refeição fora duma forma tão leviana. A minha barriga ainda dava voltas, e pelos vistos a do Alex também. Só semanas mais tarde, já sem qualquer tipo de constrangimento ou filtro, é que viríamos a concluir que a deliciosa conserva de papaia que o Raúl nos deu a provar nessa tarde, nos atirou à vez para a sanita, movidos pela força duma caganeira gigante e instantânea. Mas essas coisas não se confessam ao início.



Emprestei o meu casaco à Jeanne. Disse-lhe que o meu avô falecera durante a viagem e que esse casaco fora-me oferecido por ele antes de partirmos de Portugal. Nesse sentido, seria bom que ela não o sujasse ou engordurasse com comida. O seu olhar meio que paralisou e de forma tímida - ou assustada - indagou se seria verdade. Respondi-lhe que só metade, a da comida, claro. Até hoje não sei no que acreditou. O mesmo viria acontecer muito repetidamente no futuro. Talvez eu só diga disparates, mas a Jeanne sempre procura confirmar com a Catarina, através duma troca de olhares, quando eu estou a falar a sério ou a gozar.


Nós nunca teríamos tido a iniciativa porque simplesmente somos assim, é nosso jeito de ser. Mas os nossos novos amigos já tinham comentado nos dias anteriores que seria uma pena não viajarmos juntos, pois cada um seguia para um rumo diferente. Nós tínhamos como destino o Brasil, e por sua vez eles tinham a Argentina, pois haviam precisamente acabado de chegar do nosso destino há duas semanas. Na verdade, entre as várias coisas que aprendemos com esta amizade, a capacidade de expressão e o dizer o que de mais bonito nos vem no coração, foi definitivamente uma das maiores dádivas. A Jeanne e o Alex são duma generosidade imensa. Entusiasmados com a conexão tão natural que existia entre os quatro, nessa noite decidimos ir explorar o Paraguay juntos. O que não fazia parte dos planos de ninguém. Acho que não estou longe da verdade, afirmando que provavelmente esta decisão foi uma das mais acertadas da viagem de cada um. O Paraguay revelou-se um país extraordinário, assim como todo o tempo que passamos juntos. Por fim, a Catarina revelou que eu tenho uma lista de desejos para a nossa aventura, e viajar em caravana com outros viajantes era um deles, logo a seguir ao de ser convidado para um casamento no Nordeste do Brasil. Confirmei e contei-lhes que até trouxe a roupa que levei para o casamento da minha irmã, pois acredito mesmo que possa vir a acontecer. Rimos e brindamos ao um dos desejos realizados.




Por uma semana procuramos informações conversando com as pessoas. Os guias turísticos não têm muito a dizer do Paraguay e estão redondamente em falta com a justiça. A uma semana de partirmos a expectativa aumentava, assim como a cumplicidade entre nós. Através das variadas sugestões, os lugares secretos do país começavam a vir ao de cima, e o mesmo sucedia com as nossas personalidades. Enquanto a Catarina e a Jeanne travavam conversas cheias de palavras, eu e o Alex conseguíamos ir a pé ao barbeiro, cortar o cabelo, voltar pelo mesmo caminho e quase não trocar uma palavra no entretanto. Não obstante, ficávamos radiantes com a companhia um do outro. Limpamos e arrumamos as respectivas casas e despedimo-nos de Arigua, eu e a Catarina talvez para sempre, e o Alex e a Jeanne sob a promessa de voltarem em alguns dias. No entanto, nós iríamos arrancar muito mais tempo aos nossos novos amigos do que todos estávamos à espera.



O primeiro destino foi o Lago Ypoa. Um lago gigante e protagonista de alguns mitos, como por exemplo o das suas ilhas que são movediças e o da existência duma espécie de Lock Ness Monster paraguaio. Ao fim de um dia de viagem, não demos com o caminho até essa misteriosa mancha de água. Fomos travados a três quilómetros do destino final, por uma casa que figurava no final da estrada e consecutivamente determinava o final inesperado da mesma. Improvisámos um lugar para dormir num descampado que parecendo um cemitério de poios de vacas, também não era a coisa mais desagradável do Mundo. Os ânimos da primeira noite tiveram a ajuda do empurrão das novas muletas sociais. Passamos o serão a trocar histórias e fotografias da viagem de cada um. Uma forma confortável de desenvencilhar a confraternidade.

No dia seguinte, retomamos a estrada. Há que pedir informações na rua, mas muitas pessoas na zona mais interior do país não falam espanhol, apenas guarani - a língua indígena. Acabamos por descobrir um outro caminho do lado oposto do lago. Pusemos o pé no acelerador para tentar a sorte, mas depois de alguns quilómetros e buracos na estrada, uma vez mais fomos interceptados por um portão que colocava um ponto final na estrada. Este viria a tornar-se um acontecimento padrão. Rapidamente aprendemos que neste país tudo é privatizado. E por vezes é simplesmente impossível visitar alguns lugares. Felizmente, este não foi o caso. Por sorte, depois de algum tempo de espera, apanhamos o caseiro a chegar à propriedade. O Sr. Peloso não tinha autorização para deixar entrar visitantes, mas muito gentilmente ligou ao seu patrão e deixou-nos falar com ele ao telefone. O Alex tomou conta da chamada e da situação, enquanto eu admirava a forma confiante, decidida e simples como ele se apresentava e apresentava também a situação. “Somos viajantes europeus, falaram-nos muito deste lago e das suas histórias. Estamos cheios de curiosidade e viemos de longe para tentar visita-lo. Não sabe o quanto nos faria felizes, se nos deixasse acampar por algumas noites. Ficaríamos-lhe muito, mas mesmo muito agradecidos.” Foi mais ou menos com estas palavras que a porta se abriu e fomos muito bem recebidos.




O primeiro cenário para os nossos vastos dias de procrastinação era perfeito. Arrumamos as casas rolantes em cima da margem do lago, mesmo de frente para uma linha de horizonte mágica, onde o Sol se recolhia banhado num reflexo deslumbrante. Se neste momento no vosso imaginário surgiu uma sequência de imagens em slow motion de jovens perfeitos, sorrindo criando aquela covinha no canto da boca; olhando o horizonte com a luz quente do Sol a bater no rosto; se estão a imaginar as gargalhadas completamente livres com dentes brancos e feitos a régua e esquadro; corpos publicitários a correr descalços por entre as árvores enquanto olham para trás num esgar duma inocência fugaz; os cabelos ao vento; a cabeça que caí no ombro da cara-metade enquanto se assiste ao por do sol mais estupidamente cinematográfico de sempre; ou então, por exemplo, um grupo de amigos - na casa dos 25-30 anos, de boa aparência, aspecto saudável, atitude jovem e cool - à volta duma fogueira, rindo e brindando, chocalhando uma cerveja gelada a pingar frescura com um ar tão apetitoso - tanto que ninguém se lembra de perguntar como raio podem ter uma cerveja assim se estão no meio da natureza sem nada - então, por quatro dias nós fomos exactamente o filme que acabaram de imaginar, apenas acrescento a pesca fracassada de piranhas e os colares em macramé que as meninas enrolavam entre os dedos. De facto… foi perfeito.





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