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“Não. O cão não pode entrar.” Já estávamos à espera de ouvir isto. Tínhamos como intenção visitar o Refúgio Biológico Tati Yupi, mas como era uma área protegida a Levi não podia entrar e confraternizar com os outros animais. Ainda insistimos e tentamos apresentar soluções como a trela ou nem sequer sair do carro. Em vão. Não obstante, foram simpáticos e uma das funcionárias ainda nos passou o contacto duma amiga que estava disponível para tomar conta da nossa filhota de quatro patas. Para segurança da senhora e dos seus cães, achamos melhor não. Convenhamos… a Levi não é o ser canino mais sociável entre os humanos, quanto mais entre os da mesma espécie. Em conversa, os quatro encontramos a melhor solução. Pelo final da tarde, deixamos a Levi no carro parque de estacionamento. Já com a frescura do pôr-do-sol, fomos no carro dos nossos amigos visitar o parque e acampar por uma noite. No dia seguinte, bem cedo voltaríamos todos. Sendo que nos partiríamos para Ciudad del Leste e os nossos amigos gozariam de mais um dia no parque.
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Lembro-me perfeitamente do Gabriel nos falar em Ciudad del Leste. A grande área cosmopolita que vive do mercado negro. Aqui encontramos de tudo, desde chinelos de dedo à sapatilhas de marca. Desde a última televisão da Samsung às armas de fogo (se procurarmos bem). Tudo ao preço de um pacote de cotonetes - quase. Muitos brasileiros vêm aqui abastecer as suas casas ou comprar equipamento fotográfico profissional. Afinal de contas este é o país do tráfico. Terceiro maior produtor de maconha, perde apenas para México e Marrocos. Ah, e o chefe do contrabando de tabaco é o próprio presidente.
Separamo-nos dos nossos amigos para irmos também nós abastecer as nossas necessidades a Ciudad del Leste. O nosso telemóvel que há meses se arrastava numa espécie de enfarte lento e doloroso precisava de ser trocado por um mais jovem e rápido. A nossa coluna precisava duma amiga para a complementar e assim fazer um sistema stereo para o bote. Investimos também no nosso “ar condicionado” e compramos mais uma ventoinha para dar um empurrão à pequena ventania que a nossa fazia sozinha. Precisávamos ainda dum macaco para o carro. Sim, não sei bem como mas consegui perder o macaco do carro, no Chile. Na altura compramos um usado numa oficina, mas da única vez que necessitamos dele descobrimos que era preciso ser muito radical para ter coragem de enfiar um dedo que fosse debaixo do carro estando este suspenso naquele macaco fraco e enferrujado. Lá nos organizamos, procuramos as melhores lojas e tentamos ser perspicazes. As ruas são apertadas, cheias de mercadorias por todo o lado, um trânsito de pessoas descomunal e as cores e as letras gigantes das publicidades por todo o lado, deixam-nos ainda com mais água na cabeça. De resto, não há grande ciência no que toca a sobreviver a um embuste. Basta não sair das ruas mais movimentadas e sempre que nos abordarem para nos convencerem a ir a uma determinada loja é porque o melhor é não ir. Ponto.
Afastamo-nos do centro e da confusão e fomos dormir a um parque de estacionamento duma feira de gastronomia. Sem vontade de cozinhar, fomos espreitar o que a feira tinha para oferecer. Depois dumas quantas voltas ao recinto, concluímos que o melhor seria o mais barato só mesmo para encher o bandulho. Foi assim que descobrimos o melhor frango frito da nossa vida. Ficava numa barraca que não tinha ninguém, para além da menina que atendia com a melhor cara de entediada. Durante todo o tempo que estivemos lá na feira fomos os únicos clientes. Não sei se lhe fizemos a noite - acho que uma dose de frango com mandioca frita não chega para cobrir despesas - mas ela fez a nossa, seguramente.
O cronometro batia cada vez mais alto. Ignorar o tempo que passava era fingir que não havia um elefante na sala. Estava a aproximar-se a hora de despedida. No dia seguinte e nos próximos fizemos de tudo para desacelerar a chegada daquele que seria o último dia juntos. Visitamos tudo o que havia para visitar nas redondezas, incluíndo o espectáculo de apresentação da Represa do Itaipu. Uma obra prima fantástica que consistia numa música épica (típica dos fogos de artíficio) e umas luzes que se acendiam lentamente tirando a barragem do bréu. Tudo isto em cerca de 39 segundos. Sim, foi para esta tentativa de abertura dos jogos olímpicos que esperamos uma hora e mais meia de autocarro até ao local. Não interessa, ninguém ficou chateado ou com as expectativas defraudadas. Na verdade, tínhamos ganho mais umas horas juntos e isso era o que interessava.
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Daria para mais uma noite juntos, mais uma refeição enfiados dentro da nossa carrinha pro causa da chuva, mais um momento de conversa e riso, mais umas “boas noites” e mais um pequeno-almoço recheado da mesma alegria. A Jeanne e o Alex acabaram por não resistir e fizeram questão de nos “levar” até ao Brasil, como aqueles pais que nos deixam à porta da casa do amigo e só arrancam quando alguém nos abriu a porta, de facto. Numa manhã cinzenta e triste atravessamos a ponte que une os dois países. Acabamos por passar mais tempo cada um dentro das suas casas presos no trânsito ou separados enquanto nós fazíamos as nossas burocracias para sair dum país e entrar noutro. Mas para todos os efeitos tínhamos a sensação de continuar juntos. Por entre a chuva radical, espreitamos o Templo Budista sem grande interesse. Fizemos o último almoço e ainda planeávamos assistir um filme (como se fosse comigo de inverno), quando o guarda do parque de estacionamento veio avisar que o parque ia encerrar.
Acho que foi a melhor forma da separação acontecer. Se não fosse por intermédio dum factor exterior incontornável, o mais provável é que ainda hoje estivéssemos lá no parque de estacionamento do Templo Budista. Levou-nos alguns dias a não estranhar viajarmos de novo só os dois, mas com o tempo a sensação passou. Em relação aos nossos amigos, ficou combinado um reencontro no Peru. Mas primeiro tínhamos um graaaaaaande país pela frente. O Brasil!
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