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Ruta dos siete lagos - Trafull

Foto do escritor: PéterPéter

Atualizado: 23 de mai. de 2018

A segunda paragem fez-se junto ao Lago Trafull. Chegamos já ao anoitecer por um daqueles caminhos de terra que nos fazem bater com os dentes. Até dá para ouvir os móveis a queixarem-se lá atrás e há sempreeeee qualquer objecto que a certa altura decide atirar-se para o chão, numa tentativa de suicídio, suponho eu. Seja uma colher, um copo, um livro, papel higiénico ou a máquina fotográfica (Sim, já aconteceu!).



Estacionamos junto à margem do lago, onde já dormiam duas rulotes e comemos qualquer coisa rápida. Enquanto observávamos o céu negro e estrelado e o seu brilhante espelho produzido pelo reflexo da água, bebemos vinho do Porto até já não sentir os dedos dos pés por causa do frio. Aí, recolhemo-nos por entre as mantas e lençóis.


No dia seguinte, enquanto lavava a loiça do pequeno-almoço, pus-me a escutar a conversa da nossa vizinha que estava ao telefone. À pessoa do outro lado da linha, contava como estavam a ser as suas férias - hermosas - e descrevia o local onde estava.


“…ontem um casal chegou com um cão, numa camioneta. Não são Argentinos, de certeza. Mas não consigo perceber se serão brasileiros ou alemães.”



Brasileiros ou Alemães?! Como alguém fica na dúvida entre duas nacionalidades tão distintas? Na verdade, é muito simples. Quando nos ouvem falar, seja em português ou no nosso majestoso espanhol, as pessoas percebem logo que o nosso sotaque é português. Contudo, aqui a referência da nossa língua é o brasileiro. É engraçado, confesso que sempre vi o português do Brasil como uma espécie de derivação do nosso, como se o nosso português fosse o português mais “correcto”. Mas agora tenho outra noção. Deixando a história de parte juntamente com as políticas dos acordos ortográficos, um facto é que hoje existem centenas de milhões de pessoas que falam brasileiro e mais do que isso existem milhares de milhões de pessoas de outras nacionalidades que reconhecem o brasileiro como primeira referência da língua portuguesa. Esta sensação numérica pode ser avassaladora quando se sente na pele. Lembro-me do Rafa, um amigo que já viajou por estas bandas, me dizer que ficou chocado com a extensão de território no mundo onde se fala espanhol. E assim como esta questão do português, acredito no seu relato.


A nossa veia alemã deve ter sido identificada por causa do carro, pois na matrícula tem a bandeira Europeia e carrinha é Volkswagen. Normalmente as pessoas deduzem que nós somos da Polónia, por causa do P, assinalado na matrícula, também. Nesse caso, as pessoas devem também deduzir que nós somos anões, pois eu nunca vi polacos tão pequenos e fininhos. Mas isso elas não procuram confirmar, perguntam apenas se vimos da Polónia. Com um sorriso lá dizemos que não e que somos de Portugal. Aquando desta resposta, há regra geral algumas reacções diferentes:

  • Os que ficam encantados por nos saberem portugueses. Dizem que adoram o nosso país, adjectivam sempre a nossa população com palavras bonitas, e contam-nos como foi toda a sua visita a Portugal, caso já tenham ido, ou tudo o que desejam visitar, caso um dia possam ir.

  • Os que desatam a falar brasileiro. É muito engraçado, porque dizerem-me “Oi cara, está viajando por América? Que légau!”, num sotaque brasileiro bizarro, é-me tão familiar como dizerem-me o mesmo em inglês ou francês. Mas a intenção é que conta!

  • Os que sorriem… e fica um silêncio constrangedor. Claramente, não fazem puto de ideia de que planeta nós viemos. Mas não querem ser inconvenientes ao dizerem que nunca ouviram falar do nosso país.

  • Os que prontamente dizem: Cristiano Ronaldo! Esta legião vai sempre existir, suponho. Mas é sempre um bom truque para desenvolver conversa. Uma vez na estação de serviço, ao balcão um funcionário atendia-me sem praticamente olhar para mim. Na televisão passava o jogo amigável Argentina - Espanha. Eu disse, “O Otamendi já jogou no meu clube”. O homem levantou a cabeça, perguntou se éramos portugueses e brindou-nos com um sorriso.

Posto isto, leitura em dia, cão cansado e casa arrumada, seguimos viagem depois de almoço para visitar a Vila Trafull, pequena e querida, e a Vila La Angostura, um pouco maior e demasiado turística.



P.S.: Agora que as noites começam a ficar mais frias, a Levi adquiriu também a tarefa de fazer de saco de água quente debaixo dos lençóis.


25 e 26 de Fevereiro, 2018

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