7 a 12 de Maio ´19
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Entramos no Perú descontraídos, vulneráveis e relaxados. Não escondemos a Levi nem as nossas plantas de estimação e adoração (a arruda é para afastar o mau olhado e a inveja!). A parte dos passaportes e do TIP correu como esperado, mas, depois, passamos no senasa, o controlo sanitário! O senhor guarda perguntou-nos se trazíamos plantas ou alguma coisa viva, e a nossa resposta negativa tão entusiastica deve ter despertado nele alguma desconfiança, por isso pediu para abrir a porta.
-“Pronto já nos lascamos!” - pensamos os dois.
Abrimos a porta lateral, com naturalidade, e imaginem a cara do guarda quando além de um jardim vivo vê a Levi, deitadinha, no banco de trás!!! Por sorte, muita muita sorte, era imensamente simpático e apesar de não termos os papeis de exportação do cão do lado boliviano fez-nos apenas pagar e tirar os papeis oficiais do animais no Peru. Ainda nos disse que teria de ficar com as nossas plantas mas depois da confusão dos papeis da bicha acabou por se esquecer, ou deixar passar!
Além do guarda ter sido simpático, cordial e atencioso connosco salvou-nos a vida ao ter feito uma revisão ao carro e consequentemente fazer-nos sacar os papeis para a Levi pois uns quilómetros mais à frente, numa operação stop, pediram-nos os mesmos! Assim poupamos o preço da multa e a dor de cabeça de lidar com a policia, ainda mais à noite!
Seguindo com esta sensação de dia de sorte arriscamos ir comer uma pizza! E realmente estávamos num dia de sorte pois encontramos um restaurante delicioso e a preços acessíveis! Mais! Na mesma noite encontramos abacate maduro e pãozinho gostoso nas vendedoras de rua! Cachim (:
Acabamos por ir dormir numa praça em frente à linha do comboio e ao lago Titicaca, onde duas famílias argentinas estavam estacionadas - já os conheciamos de copacabana e iríamos voltar a vê-los pelo caminho até Cusco. Para fechar o dia em grande, quando o Pedro fumava o último cigarro da noite, aproximou-se dele o Yurdy, um jovem guia que oferece tours às ilhas flutuantes ao menor preço possível (10 soles peruanos por pessoa) e assim o Pedro fechou logo negocio para a manhã seguinte!
As ilhas flutuantes são um mundo à parte, nunca víramos nada assim. As famílias vivem juntas em ilhas que elas próprias constroem com raizes de totora, para flutuar, e folhas de totora para acamar bem o piso. Estas ilhas têm cerca de 30m2 e são mais de 100 ilhas, albergando cerca de 200 pessoas, no momento. Em cada ilha vivem cerca de 7 famílias e uma tem uma pequena casinha de totora, onde dormem os pais e filhos juntos. As casinhas são tão leves que 4 pessoas podem levantá-las e move-las facilmente. Têm também uma manutenção periódico, a cada 2 meses é necessário refazer os telhados e paredes. Já as próprias ilhas aguentam cerca de 7 anos, findos os quais se deve construir uma ilha nova. Até as escolas e o centro de saúde são em ilhas! Por isso, como nos contou o Yurdy, é quase mais importante as crianças aprenderem a nadar do que a andar. Aos 6 anos já navegam sozinhos! A principal actividade económica das ilhas é a pesca e, hoje em dia, o turismo. Além da tour têm imenso artesanato à venda, feito pelas mulheres que ficam todo o dia na ilhazinha a tecer ou criar pequenos objectos decorativos. É uma sensação muito louca estar rodeado de água o dia inteiro, com o piso a ondular!
Adoramos a nossa visita, o Yurdy foi um guia espectacular, explicou-nos tudinho, passou a manhã inteira connosco e ainda cantaram para nós em quechua, aymara e português (nossa, nossa, assim você me mata…)! Insistiram para que nos vestíssemos as roupas tradicionais e tirássemos fotos, e levou-nos às escolas onde ele estudou.
No regresso fez-nos provar a totora, banana do titicaca, como lhe chamam (é esponjosa e sabe a alface).
Se alguém estiver a pensar visitar as ilhas flutuantes recomendamos o Yurdi e podemos passar o contacto WhatsApp (;
O dia seguinte foi tranquilo, fomos almoçar à feira popular e seguimos viagem até muito perto da rainbow mountain, o nosso próximo destino turístico!
Difícil foi chegar à rainbow mountain (e mais difícil viria a ser deixá-la), pois os 30 km a subir por estrada estreita de terra batida arrepiaram-nos os camelinos todos do corpo, não pela estrada ou pela condução do Pedro, mas pelos motoristas desvairados que aceleram em sentido contrario e, devido à fraca visibilidade das curvas, sempre nos surpreendem pela negativa. Depois de duas horas de tensão e oração chegamos, por fim, ao parque de estacionamento. Por já ser fim da tarde deixamos a caminhada para o dia seguinte e fechamo-nos dentro da carrinha a ver os alpacas passar, indiferentes ao frio artico que a 4500 m de altitude num outono-quase-inverno andino se faz sentir. Pela manhã demos o nosso melhor para cozinhar o pequeno-almoço mas os dedos não nos queriam obedecer, de tanto frio que estava! Entusiasmados - principalmente a Levi - pagamos o nosso bilhete de entrada (10 peruanos por pessoa), com o advertimento de que não teríamos de pagar mais nenhuma bilhete, e iniciamos a subida. Eu já ia a medo, pois a esta altitude qualquer o esforço é maior do que ao nível do mar, ainda mais sabendo que é uma caminhada de 5km com um declive de 1000m. E que razão tinha para estar receosa! Foi realmente difícil! Como a nossa carrinha, perdemos a força nas subidas e uma perna teve de ir pedindo licença à outra para passar. Distraímo-nos com as manadas de Alpacas que adoravam a Levi, aliás, pensamos que a adoram tanto que se pudessem fariam um sacrifício sagrado com ela! Curiosos começavam a aproximar-se com um ar bastante assustador (é verdade) da pobre cadela, que com o rabo entre as pernas, se vinha enfiar no nosso meio. Por vezes começavam simplesmente a correr atrás dela, ao que ela respondia com uma corrida ainda mais veloz, apesar da altitude. Aliás, pensamos que ela nem sente a altitude, o seu nível de energia é absolutamente o mesmo.
Com muita perseverança conseguimos chegar ao topo, para constatar, desiludidos, estar encharcado de gente que tomou outro caminho, bem mais curto. Almoçamos entre o remoinho de vento ártico que a 5500 m de altitude revelou-se ser ainda mais ártico e rodeados por línguas estrangeiras. Ficamos estupefatos por ver vendedores ambulantes no topo da montanha! Além do frio intenso que têm de suportar, para mim é inimaginável fazer a trilha todos os dias! A montanha é linda, com cores absolutamente fora do comum. Deste ponto também se podem avistar dois cumes cobertinhos de neve!
A descida foi muito mais agradável do que a subida e apesar do cansaço conseguimos realmente usufruir da paisagem incomum e interagir com os alpacas. Claro que também juntamos um monte de pedrinhas coloridas de recordação.
Desde a nossa entrada neste pais, talvez por ser mais turístico do que a Bolívia, que nos temos sentido dólares ambulantes. As pessoas olham para nós e parece que só vêm um estereotipo de turista-branco-endinheirado. Em algumas ocasiões já nos pediram “contribuições”, por exemplo para dormir na praça antes da visita às ilhas flutuantes, ou então sempre que passamos à porta de alguma loja as pessoas vêm a correr apregoar seus produtos, pondo a questão como “ajudem-me aqui!”. No geral é uma sensação muito grande de desigualdade, porque nós conseguimos realmente ver a vida difícil que as pessoas levam, mas por outro lado não temos orçamento para andar a “doar” dinheiro em cada praça que paramos. Além disso, e no fundo talvez seja o que nos custa mais, nunca sabemos se as pessoas estão a ser simpáticas porque gostaram de nós, ou porque no final têm a expectativa de receber uma recompensa monetária e não apenas uma troca de ideias.
Claro que nem SEMPRE é assim. Na manhã seguinte à caminhada, a carrinha estava completamente sem bateria. Nem as duas horas emque esteve ligada ao painel solar ajudaram! Entretanto chegou um casal suíço que já tínhamos conhecido em Copacabana, com uma T4 também, e prontamente se voluntariaram para conectar ambas as baterias dos carros. Mas nem assim! Meia hora depois eles tinham de apanhar uma boleia para o topo da montanha e nós fomos tentar ajuda com o dono do único carro nas redondezas. Todos os homem do pueblo - uns dez - se juntaram para ajudar-nos! Primeiro conectamos com uma bateria solar que um deles tinha, depois conectamos com o carro e como nenhuma das soluções funcionou só nos restava empurrar! Rampa acima rampa abaixo, por mais de 10 tentativas, os senhores prontamente e sem desmoralizarem seguiram empurrando as nossas 3,5 toneladas de casa até, por fim e milagrosamente a carrinha pegar! Movidos por nada além da bondade, estes senhores genuinamente ajudaram-nos, sem esperar nada em troca! Mas nós, talvez já contagiados por este clima, não conseguimos evitar ir embora com a sensação de que deveríamos ter agradecidos com mais do que palavras e sentimentos do fundo do coração.
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