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Já fazia algum tempo que não falava com a família. A Internet aqui, por vezes, pode-se tornar um bem racionado. Sentamo-nos numa esplanada sem nada pedir, só mesmo para roubar o sinal raro e desejado, que dá acesso a esse mundinho maravilhoso. Ao início é uma coisa custosa de se fazer, enchemo-nos de vergonha. Mas com hábito e lábia, tudo se consegue.
Olhei-me no ecrã, enquanto chamava, sem que ninguém atendesse. Ajeitei o colarinho e passei a mão pelo cabelo. A mãe é babada e tem olhos de águia condor, há que estar digno de se ser visto pela progenitora! Finalmente alguém do outro lado, mas o sinal era fraco e a ligação falhava constantemente. Por entre as imagens congeladas, percebi que lá em casa debatiam se me deveriam “contar” ou não. Contar-me o quê? A minha irmã está grávida, mas ainda não fez 3 meses? Mas quando me perguntaram se a Catarina estava por perto, percebi imediatamente que as novidades não eram boas.
Morreu o melhor coçador de costas do mundo.
Não é o primeiro ancião que parte, mas é sempre um choque, que rompe a banalidade do dia. Nem só de palavras tristes, se fez a conversa. Os meus pais lembraram-me que vivo uma experiência única, e que não devo abstrair-me desse facto. Aconselharam-me a seguir desfrutando e para gerir bem o dinheiro, pois se for possível, seria bom conseguirmos estender a viagem por mais um tempinho do que o planeado. Absorvi as palavras e emocionei-me.
A verdade é que houve tempos em que a sua opinião era contrária. Quando lhes contei sobre esta viagem, não concordaram em nada. Não obstante, sempre ajudaram no que puderam e tentaram respeitar a decisão. Mas penso que só nos compreenderam mesmo, quando a aventura começou e foram observando a nossa jornada. Hoje viajam connosco através do tal mundinho maravilhoso. Seguem-nos no mapa, traçam um itinerário e visitam o que nós visitamos. Muitas vezes chegam primeiro ao destino do que nós. No outro dia, disseram-me que a Patagónia parece muito bonita, e eu devia ter respondido que eles é que são muito bonitos.
Viver em viagem não é uma vida maravilhosa, onde tudo é fantástico e estamos sempre felizes. Há dias de merda também. Mas sejamos sinceros, estamos a lidar com problemas do paraíso, nesses dias menos bons. O verdadeiro lado negativo duma viagem, não o vivemos nós, os viajantes. Vive sim, quem não partiu e ficou do outro lado. Quem está sempre à espera de novidades e mais uma fotografia. Quem se entrega à preocupação, nos dias de silêncio. Quem só quer que estejamos bem e preenchidos, mesmo que não saiba muito bem onde nem porquê.
As pessoas mudam, a vida muda. E quando fazemos parte da mudança de alguém, muito muda em nós também. Este texto serve, sobretudo, para lembrar aqueles que ficam., e não os que partem, seja para que viagem for.
Faça o favor de descansar em paz, Sr. Manel.
A gente vê-se.
10 de Março, 2018
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