top of page

Carlos, o segundo

Foto do escritor: PéterPéter

As férias de Carnaval acabaram e Buenos Aires apanhou-nos no último dia com o triplo da confusão citadina. Por entre um trânsito caótico, quer na rua, quer no passeio, ziguezagueávamos de quadra em quadra a tratar de questões funcionais. Ainda não tínhamos gás na carrinha e era preciso um cartão de telemóvel para ter dados móveis.


Já irritados, acabamos por enfiar o carro num buraco que apareceu, e a Catarina foi aos correios enviar saudades para a família, enquanto eu esperei. Novamente, meteram conversa comigo, desta vez um homem sentado num banco. As pessoas são sempre atentas e disponíveis, mas a verdade é que a lenga-lenga de contar quem somos e para onde vamos, já nos cansa um bocado. É importante fazê-lo, mas começamos a sentir uma necessidade de um contacto maior com as pessoas no geral.


Pelos vistos estamos destinados a fazer um amigo chamado Carlos em cada capital

Este, um marine argentino aposentado, comentou comigo que em tempos também viajava muito pelo país, maioritariamente para pescar, uma paixão que tem. Aqui vi uma porta abrir-se! Disse-lhe que estava aprender a pescar, que tinha tempo e o material, mas não tinha conhecimento para saber o que fazer com ambos. O senhor riu-se e não se fez de rogado, mandou-me ir buscar as coisas à carrinha e mesmo ali no meio duma avenida caótica do centro da capital, estendemos a cana de 4 metros para o ar e ele ensinou-me a enrolar o fio no carreto, para começar.



Depois foi tempo de nos sentarmos no banco e dar início a uma aula de pesca com direito a uma oficina prática de como montar uma linha. Eventualmente, demos conta que afinal faltava-me mais linha e uns rotores. "Não há problema! A duas quadras há uma loja de pesca, e enquanto vais lá num pé e voltas noutro, eu tomo um café e leio um pouco o jornal." Aceitei a proposta e quando regressei, esperava por mim com os óculos de ninja na ponta do nariz.


Acabamos por passar a tarde ali. A Catarina juntou-se à conversa, falamos sobre pesca e sobre vida. Este senhor era muito engraçado. Uma espécie de MacGyver reformado. Consigo tinha uma mala com documentos, pois tinha ido tratar de uns tramites. Contudo, para além da papelada trazia uma série de objectos para eventuais problemas e soluções que pudesse encontrar. Como alfinetes, canivete, tiras de borracha, esferovite, entre outros, incluíndo um telemóvel com todas as aplicações imaginárias e a Marlyn Monroe nua como fundo de ecrã.


Para terminar a aula contou-me ainda uma anedota em surdina, para que a Catarina não ouvisse, sobre como um elefante fornica uma formiga. Depois despedimo-nos e trocamos contactos, para que eu lhe enviasse uma foto do meu primeiro peixe ("e não vale ires ao supermercado comprar um e espetar o anzol na boca, che!"). Seguiu para sua casa, que fica numa localização central da cidade com acesso rápido a todas as saídas, caso haja uma situação de emergência, segundo nos explicou muito seriamente.


Foi óptimo. Agora está na mina mão. Só depende de mim começar a pescar, assim como só depende de mim aproveitar-me da pesca, para da próxima vez ser eu a meter conversa com alguém e conseguir ir para lá do contacto superficial (embora bonito) de contar quem somos e que viagem estamos a fazer.


14 de Fevereiro, 2018



Comments


Commenting has been turned off.
bottom of page