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• Arigua • a última quinzena •

Foto do escritor: CatarinaCatarina


Se a primeira quinzena foi marcada pela novidade, pelo furor, pela sofreguidão, a segunda foi totalmente o oposto.

Concluímos o caminho que vínhamos percorrendo, e finalmente libertamo-nos da opressão da ideia de tempo. Aceitamos o caminho como ele se nos apresenta, sem estarmos ansiosos de chegar ao ponto final - a Colombia neste caso - aceitando que se lá não chegarmos, não faz mal. Mas o percurso, esse, vamos desfrutar em pleno.

Assim permitimo-nos observar e interiorizar o que este lugar mágico tinha para nos ensinar: além das técnicas, além da adaptação. O Andrés e a Julia são seres de luz. Com eles aprendemos o verdadeiro significado do desapego, da confiança e do amor. Por causa deles, a quinta transpira um ambiente de harmonia e bem-estar, apesar de (quase) tudo ser caótico. A energia deles, a vontade de viver, o entusiasmo com que fazem as coisas, sejam elas quais forem, contagiavam todo o grupo e desenhavam sorrisos abertos e sinceros nos lábios de todos.

Com eles, aprendemos a felicidade baseada no amor, na simplicidade e no positivismo.



Os dias prosseguiam intensos, divertidos e cansativos. Se por um lado acordar cedo revigora a energia, por outro o frio e o físico trabalho no campo consumiam todas as nossas reservas. Ainda assim, e mesmo marcados por alguma austeridade, foram dos dias mais felizes da nossa vida: acordar com cheirinho a café, sabendo que nos esperam tarefas na horta e amigos com quem partilhar a vida.

Em termos de tarefas esta terceira semana foi dedicada à finalização de novos bancais. Na semana anterior já tínhamos estado a limpar e arar o terreno, assim, neste semana preparamos cerca de 20 novos bancais, de tomates e beringelas: primeiro tivemos de trazer todos os pés das plantas do viveiro, colocá-las na terra com um palmo de distancia entre si. Só este trabalho durou cerca de dois dias, com 4 pessoas. O passo seguinte foi abonar a terra com composto, carvão (ajuda a reter os minerais na terra) e estrume de galinha, o que durou cerca de dois dias. Finalmente colocamos a cobertura vegetal, ou seja uma capa de palha seca que retarda tanto a evaporação da água como o crescimento de plantas daninhas. Uf! É muito trabalho!



Entretanto durante a semana fomos também conhecer um espaço cultural, denominado BioEscola El Cântaro, que se dedica à difusão de artes tradicionais paraguaias. Têm um lugar lindíssimo construído com materiais biológicos, e a única mediateca da cidade. Foi a primeira vez que coincidimos em um lugar onde a Ana e o Gabriel também estiveram (:


Neste dia, quarta-feira tive também uma boa surpresa. Compartindo o jantar com a Julia e o Andrés, esta acabou por nos contar que estava saindo para um circulo de mulheres, claro que eu, a Jeanne e a Michelle ficamos com a pulga atrás da orelha… Assim, quando nos convidou para irmos também só tivemos tempo de engolir a ultima garfada de comida, vestir um casaco às três pancadas e saltar para a parte de trás da pick-up! Numa corrida em céu aberto, fomos vendo os telhados, luzes e copas das árvores rasgarem o anoitecer, fresco e prometedor. A chegada não podia ter sido mais triunfal: a Julia estacionou nada menos do que em frente a um desolado e enigmático CASTELO! Sim, a casa da Carola, a nossa anfitriã, têm a forma de um castelo (: Fomos as ultimas a chegar, timidamente descalçamo-nos e sentamos no circulo já constituído na sala. Mantas, almofadas, velas, incenso, chá e seis mulheres esperavam-nos, conversando entre si. Este circulo é um espaço semanal que as amigas da Julia mantêm para conversar sobre diversas coisas. Desta vez havia uma convidada, uma feiticeira - uma mulher com um poder energético muito forte e com conhecimentos além da nossa realidade diária. Aprendemos muitas coisas e compartilhamos ainda mais. Apesar de estarmos entre pessoas desconhecidas imediatamente sentimos que podíamos confiar e abrir o nosso coração. Penso que também só assim se pode realmente aprender: se apesar de desconhecido abrires todo o teu ser a essa nova visão, com o filtro da confiança ligado. Foi uma noite mágica.



Coincidentemente no dia seguinte foi o aniversário da Julia! Pela noite cozinhamos pizzas gigantes e compramos cervejas! A Michelle fez uma torta hiper-gostosa e pelo final da noite chegaram os vizinhos Rafael e Luma, com os dois pequeninos o Amaru e a Selva com mais um bolo! Assim, comemos até explodir e fomos dormir, com a permissão de no dia seguinte começarmos uma hora mais tarde! Yuppi!

E devagarinho sexta-feira foi chegando, e com ela mais uma sessão de produção de trufas. Desta vez, entusiasmados pelo sucesso anterior, decidimos dobrar as quantidades e assim deixar algumas para Domingo, dia livre, irmos vender a Arigua. Estávamos muito empenhados nos preparativos, com todas as mão sujas de massa e como ajudantes a Jeanne e o Alex quando, do nada e já de noite, começam a chegar imensas pessoas! Primeiro um casal italiano-chilena, depois uma família colombiana, dai a um pouco mais um amigo e entretanto perdemos o fio-a-meada. Ainda hoje não sabemos como se conjugaram todas estas energias, mas de repente estávamos 21! “Desta vez eles vão ficar preocupados, pensamos nós do Andrés e da Júlia, com tanta gente para alimentar.” Mas não! Impavidos e relaxados abraçaram a situação e inventaram mais tarefas, para satisfazer toda a gente! Ahahahah.

O Cami, a Paula, a Paz e o Theo são a Familoamericana, 4 colombianos destemidos a viajar numa T3 lindíssima. A Paz, com 7 anos e sem um dentinho na frente, é uma artista em ascensão, com uma curiosidade mais do que aguçada. Já o Theo, do alto dos seus 3 anos, é a energia em pessoa e um fartote de rir para todos, com ele aprendemos a expressão “que chevere!” gritada a cada segundo e que significa “que fixe”. As crianças trouxeram um novo dinâmismo às tarefas da horta, pois com o seu entusiamo tudo nos parecia mais divertido. Também o Cami e a Paula nos marcaram de forma bem forte, com a sua coragem, calma, harmonia e conexão. Foi muito bom conhece-los e partilhar um pouco das nossas viagens.



Domingo, dia normalmente muito calmo, foi marcado pelo final do mundial. Às 10h da manhã já os rapazes andavam nas preparações: enquanto o Alex montava uma televisão quadrada e velhota no espaço comum, com bancos de jardim a funcionarem como bancada, o Pedro foi comprar cerveja e às 11h já se começavam a ouvir latas a abrir! Apesar de nenhum dos presentes ser especialmente adicto a futebol divertido-nos muito com este momento e sempre foi uma boa desculpa para beber cerveja de manhã (;

Entretanto, pela tarde, a nossa primeira sessão de venda na rua foi um….fracasso! Das 21 que levamos vendemos zero! Vários factores contribuíram para este insucesso: a comunicação, a meteorologia do dia, a falta de vitalidade mas, principalmente, o festival da frutilla! Sim, Aregua é conhecida pela produção de morangos e todos os anos tem um festival dedicado ao morango em que todas as comidas e bebidas são confeccionadas com…morango! Licores, bolos, tartes, e coisas raras como empanadas e pizza! Todas as ruas se enchem de bancas com comida que oferecem exactamente a mesma coisa. É uma loucura de cetim e fruta <3


Aregua é uma cidadezinha próxima a Assunção muito pitoresca! Com ruas de empedrado e casinhas cuidadosamente caiadas de branco e debruadas de cores coloridas, é a vila dos artesãos. Todo o tipo de cerâmica pode ser encontrada aqui, com um predominância (bastante) forte para os biblôs parolos e datados - infelizmente a criatividade não é o seu forte, excepção a uma estatueta de um menion-homem-aranha. É um oficio que passa de geração em geração, e colore as ruas da vila, mas que não tem sido alvo de grandes inovações.

Segunda-feira chegou e com ela mais trabalhos na horta, desta vez animados pela pequenada. Nesta semana o Pedro esteve dedicado a construir a estrutura para os 10 bancais de tomates, enquanto eu dividi os dias com rega manual (agro-gim) e mais cobertura.


Terça-feira fizemos uma tour de plantas medicinais com o Andrés, que nos ensinou as características e utilizações de cada uma das plantas medicinais da quinta! Vimos pela primeira vez a arvore da Moringa (que esteve em frente aos nossos olhos todo este tempo, mas que não sabíamos identificar) a árvore da canela e a goiabeira!




À noite, fomos até Assunção para ver o concerto das Conchas sin Mar, a banda da Nati! Foi um bonito espectáculo, compartido com a Gio e a Leti. A nossa ideia era levar os legumes para a feira de quarta-feira, na casa da Gio, mas não fomos assinados para essa tarefa, portanto tivemos de voltar à base.



Esta foi a semana em que estávamos cerca de 20, então fazer o almoço era uma loucura! Sempre ficavam dois encarregues dessa tarefa, e confeccionavam merenda de meio da manhã e almoço! Foi divertido.




Quarta-feira, junto com o Alex e a Jeanne (já estão a ver que temos imenso em comum) fomos até Tokokue, o negócio de conservas que também faz parte da Tribu, aprender com o Raul. Confecionamos salsa de tomate, doce de tomate e doce de mamão, e partilhamos muitas histórias pois o Raul é um viajante nato e também um aprendiz de agricultura bio-dinâmica, na verdade esteve um ano a fazer voluntariado numa quinta na argentina, com a Leti e a filhota mais velha, Eva. Foi super-inspirador! Na volta para a quinta paramos os quatro para jantar, e tivemos uma conversa que mudaria para sempre as nossas vidas, mas isso é assunto para outro post...



Entre quinta e sábado estivemos a arranjar a nova sala de aulas da Julia, pois as classes de ciências de Kunumi moveram-se da escola para a quinta! Arranjamos um espaçinho junto à zona de camping e estivemos a mudar os materiais para a sua nova residência assim como a decorar a nova sala. Eu desenhei a cauda de um dragão com pacotes de tetrapac a imitarem escamas e o Max desenhou e pintou a cabeça!

Ficou muito cool o espaço! Imaginem que loucura, ter aulas de ciências numa quinta a sério! Que animação deverão ser essas aulas.

Sexta, como sempre, fizemos a colheita e sábado calhou ao Pedro ir à feira! Gostou imenso e acho que aprendeu um montão sobre vendas, ahahah!

No sábado à noite, seguindo o ambiente festivo, houve roda à volta do fogo, com novos amigos que trouxeram canções e violões.

Assim a nossa história em Arigua vai chegando ao fim. Uma parte do mundo que roubou o nosso coração e nos fez ter a certeza que sim, é este o caminho certo.

8 a 21 de Julho

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