top of page

Aisén ou a Patagónia Chilena Parte \\ Tropical meets Ártico

Foto do escritor: CatarinaCatarina

Atualizado: 22 de mai. de 2018

2 a 5 de Abril, 2018


A paisagem da Patagónia Chilena é de facto surpreendente. Não esperávamos ver montanhas verde musgo, rodeadas de bruma marítima e uma encosta ondulante namorando o Pacifico. O cenário que tínhamos à nossa frente correspondia com a imagética que temos dos descobrimentos: praias tropicais com flora exuberante de corres garridas, a neblina da descoberta incluída. Só não esperávamos a temperatura ártica! Estar o mais a Sul do Mundo quer dizer - ao contrário do que o som das palavras possa querer transmitir - morrer de frio a todas as horas do dia, o que confere ainda mais dramatismo a esta zona inóspita.



Deixando Coyaque para trás embrenhamo-nos com fervor na Carretera Austral e por mais de mil quilómetros vimo-nos rodeados de folhas gigantescas - algumas com mais de um metro de diâmetro - e água por todos os lados, primeiro porque nunca mais parou de chover e segundo porque a terra brotava água por todos os lados. Cansamo-nos de contas as cascatas, eram tantas e tão belas que entre nós se formou a piada “Olha, mais uma cascatita…!”.



Estes dias tiveram tanto de belo e mágico, quanto de desconfortável. Permanentemente húmidos os nossos cinco metros quadrados de casa não permitem pôr roupas a secar, guarda-chuvas a pingar, nem impermeáveis a escorrer. De maneira que, mais coisa menos coisa, vivemos só dentro da carrinha!



Depois de uma das numerosas curvas da carretara, ia eu distraída com a paisagem, quando ouço o Pedro, frenético “Olha! Paramos?!”. Ergo os olhos e está um rapaz cheio de mochilas a pedir boleia no meio do nada. Recordando a minha reflexão sobre a abertura a novas pessoas respondo prontamente: “Paramos!”.

Também não nos conseguimos recordar do nome do nosso segundo amigo de boleia, era uma dessas palavras polacas de difícil pronunciação e ficou misturada com a densidade cinzenta das nuvens do dia. Não pedimos para repetir porque nestes casos não importa tanto o nome de cada um, senão a sua história. E que história engraçada tinha o nosso novo amigo! Polaco, estudava na Dinamarca onde também trabalhava num restaurante para conseguir a bolsa. Com o sonho de construir um hostel já tinha viajado um pouco por todo o Mundo. O mais divertido deste nosso amigo é que, apesar do seu percurso bizarro, era bastante tímido e delicado, características que não associamos directamente a viajantes aventureiros.

Entramos em Puyapi já ao entardecer, entretidos com a conversa.

Deixamo-o no seu hostel e fomos tentar tratar do assunto do gás, na única mercearia da vila.


Deve ser engraçado para os donos dos estabelecimentos verem duas pessoa com sotaque estranho e carregadas com os mais distintos apertos para cozinhar com gás entrarem esbaforidas portas dentro, suplicando por uma solução! Sempre nos tentam ajudar, umas vezes com mais empenho, outra com menos, mas ninguém fica indiferente ao nosso martírio. O problema é que nem a nossa garrafa europeia, nem a argentina, podem ser cheias nos espaços de gás regulares. Como não é solução comprar uma botija em cada país, andamos tipo baratas tontas rogando por uma solução: alguém que tenha um adaptador ou uma garrafa da campingaz pequena, o que seja! Bom, não foi o caso de Puyapi. O melhor que nos conseguiam era uma garrafa de 5kg e um regulador por 35€. “Estamos muito a Sul.”, pensávamos - “Aqui é muito isolado, de certeza que é mais caro”. Mal sabíamos que estávamos completamente errados, que esta mercearia, na vila mais rústica onde parámos, seria a mais barata de todas.

Contentamo-nos com uns pães e queijo para sandes e compensamos a situação com uma garrafa de Cola de Mono, um licor de leite, café e canela - deliciosoooo! Agarrados à botelha, estacionamos virados para o lago. Mesmo em frente a uma placa que dizia: “Peligro, área de Tsunami”. Entre divertidos e assustados, lá nos decidimos ficar, só porque havia um hostel perto. Do lago pouco vimos, a neblina deixava apenas adivinhar as cores e a densidade deste braço escuro do Pacífico.



Partimos cedo pela manhã, motivados com uma caminhada que nos esperava alguns quilómetros à frente: a trilha do bosque mágico! No dia anterior, não tínhamos conseguido fazer a do ventisqueiro colgante, porque devido à neblina íamos pagar 15€ e não teríamos abertura para ver o ventisqueiro! Ainda não sabíamos que esta situação se repetiria bastantes vezes.



Também no dia anterior, enquanto almoçávamos no lago Las Torres, tínhamos conhecido um norte-americano que cruzava a Patagónia em bicicleta, vindo do norte do Chile que nos contou que a estrada estava cortada em Las Juntas, devido a um massivo deslizamento de terras, que tinha arrasado a aldeia cerca de um mês atrás. Desta forma já íamos preparados para este encontro - pensávamos nós.



A verdade é que quando vimos os estragos que o desastre provocou, ficamos abismados! As palavras não tem força suficiente face à realidade da natureza. Era quilómetros e quilómetros de puro lodo, a terra arrastou tudo à sua frente: árvores, arbustos, casas, estradas, pessoas… Morreram quarenta. E quando passamos as forças de intervenção já estavam no local há um mês, portanto, grande parte dos destroços já tinha sido limpo e mesmo assim assombroso. A Natureza é poderosa e o Chile é especialista em desastres naturais, entre terramotos, deslizamentos e tsunamis, é toda uma história de amor-ódio entre Homem e Natureza.



Entretanto, a entrada do esperado trilho, estava fechada. “Peligro de muerte, no ponga en risco su vida e de sus ponteciales rescatadores!”. - “Não! Outra vez não!”. Incoformados e confusos, andávamos às voltas, tentando perceber o que se passava, quando parou um carro e nos contaram que o trilho estava fechado, devido outro deslizamento de terra no cume da montanha. “Foge!”, pensamos os dois!

Assim, abananados e desesperançados, chegamos a Chaitén, a tempo de pesquisar de novo infrutiferamente, pelo gás e de perguntar nos carabineiros que trekking poderíamos fazer. - “Con esa lluvia y vento, ningún! Es que lle puede caer una rama o algo”. Derrotados, conformamo-nos em comprar o bilhete do ferry para daí a dois dias e demos o dia por encerrado.


Ah, aventura, aventura, quão desesperante és!



Na manhã seguinte, enquanto comprávamos provisões, encontramos o nosso amigo polaco tão desnorteado com o tempo como nós. Rimo-nos os três da nossa situação insólita: presos pelo tempo! Voltamos a despedir-nos desta com a sensação de que algures nos voltaríamos a encontrar novamente. Partimos para a beira-mar, a meio caminho de Caleta Gonzalo, onde apanharíamos o ferry no dia seguinte.



La Chana, era o nome da vilazinha piscatória onde passamos a tarde e a noite. Almoçamos o mais contundentemente possível, quando não se tem gás - ou seja, sandes e salada! - e partimos à descoberta do vilarejo salpicado de barquinhos e casas de madeiras coloridas. Abrigados até aos dentes, claro está!



No fundo mais fundo da vila, quando a terra é engolida pelo rio e pelo mar, havia uma casita azul de tábuas de madeira com um relvado tão verde e fofo que nos convidava a visitá-la. Saltamos a cerca desabitada e demos a volta à casa. Nas suas traseiras, em dois pequenos invernadeiros abandonados, haviam porcas com crias bebés, pequenos leitoezinhos tão fofos e rosados, que nos lembraram a Levi em cachorrinha. Barriguinha de leitão! Os bebés da segunda ninhada eram tão pequeninos que alguns ainda tinham cordão umbilical. Como a mãe estava adormecida - são imponentes as porcas- consegui convencer o Pedro a pegar num bebe! Oh, por favor! Era tão pequenino, quentinho e fofinho! Fizemos-lhe muitas festinhas e devolvemo-lo à ninhada. Não sem antes ponderar adopta-lo!



Íamos já de volta, quando pressentimos um movimento estranho na ninhada: a porca estava a comer. “A comer?! Não vi comida, que raio estará a comer?!”, pensei com um mau pressentimento. A medo tornei a convencer o Pedro a aproximar-se para ver...“Blhaaaccc!!!”, exclamou correndo,“Está a comer o bebé!”. As aulas de ciência baixaram em nós e lembramo-nos que algumas mães rejeitam os bebes, quando não lhes reconhecem o cheiro. “Algumas porcas podem não aceitar os leitões transferidos, rejeitando-os e pudendo até mata-los. O cheiro é o elemento denunciador dos leitões e por ele as porcas mais resistentes identificam os leitões transferidos.” - lemos na net, dias depois. Fomos embora com um sabor amargo na boca e recriminando-nos por sermos tão egoístas e estúpidos.



Depois duma noite fria e estrelada, levantado-nos na madrugada para estar às 10 em Caleta. E lá estava ele, o meio de transporte que nos permitiria cruzar umas das mais inóspitas zonas do Chile (tanto que nem estrada tem). Passamos três horas maravilhados com os fiordes tropical-árticos: era como estar numa mistura da Pocahontas com o Avatar. O Mundo perdoou-nos o leitão!



Desembarcamos em Hornopiré para lanchar virados para o vulcão adormecido na sua coroa de neve e fumo ameaçador. A Levi arranjou um amigo-namorado lindo, todo branco de olhos azuis rasgados, com quem brincou todo o tempo, indiferente à presença do vulcão.

Chegamos a Puerto Montt de noite, depois de mais uma travessia de ferry. O que se revelou muito má ideia. Cansados e mal-humorados, cruzamos a cidade escura e suja, várias vezes, até sermos vencidos pelo cansaço e encostarmos junto ao porto. O dia seguinte, viria ser uma completa loucura.



Comments


bottom of page