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A primeira ida ao mecânico

Foto do escritor: PéterPéter

Dei à chave, o motor soou normalmente. Nunca o carro teve tanto tempo parado nesta viagem, e por algum motivo estava com medo que nunca mais fosse trabalhar. Armazenamos os novos víveres nos buracos onde ainda há espaço, compota de amora e de ameixa, alguns legumes da horta, fruta e pouco mais. Na última semana, o Verão anunciou oficialmente a sua despedida. Agora, descemos para Sul, que é o Norte daqui, para encontrarmo-nos de caras com o frio.


Misteriosamente a Patassaura ganhou duas fugas de óleo, enquanto esteve parada. Vasculhei entre os orgãos e dei com um tubo de ar completamente solto, pois rompera-se no final, desprendendo-se do seu lugar. Tratei de que não se soltasse, num futuro próximo, com uma braçadeira. E quanto às fugas de óleo, identifiquei uma das fontes, mas nada consegui fazer. Lembramo-nos dum mecânico em Esquel, que um casal suíço, muito simpático, nos recomendou pois um fole de direcção da sua VW rompeu-se e fora aí que resolveram o problema.



Sebastian era o seu nome. Um homem franzino, energético, cheio de letra, mas de bom coração. Esperava passar o dia na oficina com ele, sujando as mãos e aprendendo um pouco. Mas mal comecei a fazer perguntas sobre tudo e mais alguma coisa, correu comigo dali para fora, dizendo-me que não lhe “pisasse os tomates”, uma expressão argentina muito utilizada. Voltamos ao final da manhã. O diagnóstico estava feito. As fugas originaram-se devido à diferença de temperaturas, entre os dias muito quentes e as noites estupidamente frias. Era também necessário trocar a correia de distribuição, pois esta estava encharcada de óleo que havia pingado. Lá lhe perguntamos se não bastaria limpar, mas insistiu que por segurança a trocássemos. Fomos a uma loja de repuestos buscar aquela que parecia ser a última correia de distribuição disponível em toda a cidade. Ainda ensaiei mais uma tentativa, mas o Sebastian tornou a varrer-me da oficina. Aproveitamos o dia para tratar de outros afazeres, como ir à lavandaria e à internet pesquisar sobre o nosso próximo destino, o Chile.


Fomos ao que parecia ser o hotel mais caro de Esquel, pois queríamos ter a certeza que íamos ter uma boa ligação. Quando chegamos a um local, sacamos do computador, ligamo-lo à tomada, pedimos a password do wifi, seguida do artigo mais barato do cardápio, as pessoas topam-nos logo. Foi exactamente esse olhar que o próprio dono do hotel me dirigiu, enquanto me atendia. É interessante como nos vamos tornando mais espertos ao longo da jornada. Percebi que homem e espaço eram vaidosos, então tomei a iniciativa de elogiar o facto de me estar a servir um verdadeiro expresso e comentei o quanto tinha saudades de beber um café como na Europa. Sinto-o um pouco, sim, mas talvez possa ter exagerado um pouco a minha felicidade. O que interessa, é que a sua postura mudou completamente, quando comparei os seus serviços aos que são prestados no meu continente! De peito cheio, afirmou que era único que tinha uma máquina Nespresso em Esquel! E assim, num gesto de bondade, serviu-nos duas doses de bolachinhas para acompanhar, o único café que pedimos para os dois. Ali ficamos a compartir a esplanada com o Sol, sem que nenhum desconforto nos chateasse aos três: a mim, à Catarina e ao dono do hotel.


De volta à oficina, apenas faltava mudar o anti-congelante, para um que aguentasse temperaturas realmente congelantes. E, por fim, aparafusar o espelho, que se partiu no contentor, de volta ao seu lugar, com uns suportes metálicos, que fiz na quinta do Nahuel. Conversa puxa conversa, acabamos por ficar um bom pedaço ali. Falamos de Portugal, da Argentina e do Chile. Falamos dos aviões da Monsanto que nós próprios avistamos, e que pulverizam hectares e hectares com fertilizantes químicos no país vizinho. Falamos da guerra do Paraguay e de outros pedaços da história deste continente. Ainda ofereci uma pequena garrafa de vinho do Porto e, em troca, ganhamos um desconto no preço final. Trouxemos estas garrafas - que em 3 goles acabam-se - para oferecer às pessoas, contudo, ainda não oferecêramos nenhuma e já tínhamos bebido quase todas.


Entre gargalhadas, o Sebastian acabou por nos confessar que nós éramos muito diferentes do casal Suíço. Segundo dizia, estes tinham roupas caras e não se preocuparam mais do que ali deixar o carro, voltar quando estava pronto e pagar. Por sua vez, nós estávamos sempre preocupados com o dinheiro, perguntando uma estimativa de preço para tudo e se não havia outra alternativa mais económica. Muitos latino- americanos têm a ideia de que nós, viajantes europeus, somos todos do género que decide descer do pedestal e vir à selva tirar férias, para ver como é exótico o terceiro mundo e as suas coisas de pobres. A verdade é que a grande maioria das pessoas enfia os viajantes europeus todos no mesmo saco, como se nascer na Europa de-se direito a uma conta recheada no banco, logo à nascença, e um carro topo de gama aos 18 anos. Por este mesmo preconceito, aqui os europeus ou são idolatrados e copiados por alguns, ou criticados e afastados por outros tantos. Regra geral temos sido muito bem recebidos por toda a gente. Mas como viríamos a conversar, já no Chile, com vários colegas espanhóis, não se pode dizer que aqui as pessoas já não se lembram da História.


Ainda tivemos tempo para uma pequena conversa sobre como é o processo de realizar um filme de publicidade em Portugal, pois a namorada do Sebastian estava interessada em começar a trabalhar como editora de vídeos. Segundo me disse, já tem alguma experiência e também é viciada no After Effects, o que é sempre um plus para um freelancer. Bem, tirada a fotografia para recuerdo, saímos da oficina de noite, procuramos a estação de serviço mais próxima e deixamo-nos cair de cansaço.


21 de Março, 2018


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