top of page

Uma virada transformadora

Foto do escritor: CatarinaCatarina


Como se fôssemos um rio ao qual foram chegando vários afluentes, que serpenteou por montanhas, quebradas, cascatas, onde se banharam pessoas e de onde beberam animais, um rio que pegou chuvas, regou matas e florestas e que resplandeceu, brilhando ao sol, espelhando as flores, as árvores, os arbustos da sua margem; um rio que cruzou muitas pontes e aldeias, que por vezes foi turvo e outras cristalino; um rio que começou com toda a sua força, juventude, pujança, e ao longo do percurso foi acalmando, aquietando. Um dia sente uma brisa salgada, uma sensação completamente nova, e, de repente, vê-se perante o oceano todo. A seu tempo desagua, deixa toda a sua história pessoal para trás e torna-se parte de um todo, de uma imensidão, de uma força que aperta o peito e suga todo o oxigénio. Tornar-se num oceano não é fácil para um rio, essa sensação de ser imenso, azul e salgado é atordoante, sente-se mareado pelo fluxo de vida em si contido, pela instabilidade das tempestades, ventos fortes, relâmpagos e trovões. Até que um dia se deixa levar. À deriva flutua e sente-se completo. Azul. Salgado e sereno.

Não sei exactamente como atingimos esta sensação de plenitude oceânica, se pela energia do lugar, se pela sinceridade e beleza das pessoas ou se pelos métodos de concentração e consciência que aprendemos. Provavelmente cada qual teve sua influência, permitindo-nos flutuar pelos dias.


A Flecha da Mata tem seu encanto único: chão de areia , arbustos que demarcam os caminhos, cores e palavras inspiraras nos locais mais inusitados; a paz da Oca, casa central de abobe onde parece que nossos pensamentos são centrifugados para o seu tecto; a dinâmica cozinha comunitária, onde há sempre alguém a conversar, cozinhar, dançar ou, simplesmente, estar; a lagoa e seu mirador proporcionaram-nos entardecederes absolutamente mágicos e, claro, que seria dos nossos dias sem o poço de aquaponia com peixinhos que comem os dedos, ou o tanque de mosaico, onde nos sentávamos dentro de agua, arrefecendo o corpo do sol torrido.



À chegada, envolvidos pela energia das preparações finais, conhecemos de imediato o Luizão - ou mamute, como era carinhosamente apelidado - de personalidade forte e divertida e cuja presença acompanhou todos os nossos dias. Sem vergonhas nem papas na língua directamente nos contou que também ele é um viajante, mas sua locomoção é uma bicicleta! Tem as histórias mais hilariantes e, como nós, ressalva a qualquer oportunidade a bondade das pessoas com que se cruza pelo caminho, que sempre têm algo a partilhar - algumas palavras, um copo de agua ou abrigo.

Em seguida fomos arrebatados pelo Igor, viajante-explorador, mestre em ioga e uma alma livre. Sempre com um sorriso na cara e total abertura para a vida. De olhar penetrante e permanente atenção às necessidades de todos viu-nos meios perdidos no meio da cozinha comunitária e de imediato meteu conversa, mostrando-nos os cantos à casa e recrutando ajuda para terminar as biqueiras (cinzeiros).


Depois do Igor foi a vez de conhecermos a Nay e o Sol, casal responsável pela facilitação da yoga, meditação e renascimento. São duas pessoas imensamente alegres que enchem o lugar com bem-estar e harmonia. Conversam com a mesma intensidade e interesse com amigos de longa data ou novos integrantes - como nós - e têm sempre uma história descontraída e divertida para relaxar o ambiente.

Como eles outras pessoas foram personagens principais da nossa história na Flecha:

A Lívia, mulher-medicina, iniciante no caminho do guerreiro, conduziu os círculos de mulheres e o auto-cuidado feminino. Uma pessoa extremamente mística, poderosa e inspiradora que tanto haveria de nos ensinar sobre xamanismo.

O Ale, um aprendiz de xaman que conduziu os círculos masculinos e ensinou imenso ao pedro sobre rapé.

O Savyo e a Carol, um casal à espera do seu primeiro bebé, absolutamente inspirados pela nossa história.

A Samsara, uma mulher forte e dona de si, que vive na Suécia e adora, mas sente falta do calor brasileiro, tanto climático quanto humano, e o seu sobrinho Gabriel, um adolescente de 18 anos muito conversador e curioso.

E, claro, a equipa de voluntários da Aldeia, mas sobre esses nossos queridos amigos temos tempo de falar depois (:



Voltando ao nosso primeiro dia (29 de Dezembro), depois de toda a animação dos preparativos o evento em sí teve inicio durante a tarde, com a trilha permacultural conduzida pelo Ricardinho. O Ricardinho é o gerente responsável pela eco-aldeia, alegre, divertido e sempre sempre positivo. Recebeu todo o grupo do retiro e introduziu-nos ao espaço, mostrando-nos as casinhas de bio-construção em Adobe, passeou-nos pela agro-floresta, a horta, a lagoa, o composto, também nos mostraram os sanitários de evapotranspiração e o sistema de filtro das aguas da cozinha. Passeamos por todo o espaço em conjunto, até chegarmos à zona da Tenda da Lua, lugar interdito a homens e por isso apresentado pela Ana, a co-fundadora da Aldeia . Foi a primeira vez que me deparei com o conceito de plantar a Lua, ou seja, devolver à Terra o sangue da menstruação. Esta prática tem vários benefícios sendo o primeiro a conexão com o intimo de cada uma, outra é a consciência ecológica pois é necessário usar um colector ou um penso de pano para conseguir devolver o sangue à Terra. No caso da tenda a pratica vai ainda mais alem pois este é um espaço sagrado, idealizado para ficar de cócoras deixando o sangue cair livremente enquanto se permite tempo para meditar, ou concentrar em sí mesma.

Da tenda da Lua as mulheres seguiram juntas para o workshop de Bambolé. Em pequena adorava o bambolê, por isso surpreendeu-me não conseguir fazer o passo básico, fazendo girar o arco acima da anca! Depois de algumas tentativas lá apanhei o jeito, mas continuei surpreendida pelo meu corpo estar tão rígido. Foi muito divertido voltar a esta pratica e rir em grupo com os bambolês que disparavam incontroláveis das mãos das suas donas.

Depois do jantar - pizza vegana!!! - fomos apresentados ao tarot pela Kalitya. esta pratica ancestral cativou-nos pela liberdade de interpretação. Tomando um arquétipo como base cada pessoa faz uma introspecção pelo tema que este apresenta e como se relaciona com a sua própria vida, a sua própria situação. A mim saiu-me o 7, símbolo para se deixar levar, uma óptima sugestão para estes dias.

Maravilhados com o dia, o ambiente deitamo-nos na nossa casinha com as janelas e a mala totalmente abertas - tendo no entanto o cuidado de esticar muito bem os mosquiteiros, pois os insectos são implacáveis - deixando entrar a noite pelos nossos sonhos.



A véspera da passagem de ano começou com um café da manhã vegano delicioso, de frente para a lagoa: queijo de caju, creme de papaia e amendoim, panquecas e sumos naturais desfilaram para a nossa pancinha feliz. Depois foi tempo para uma meditação activa do chamar do coração, pois, segundo o Sol, estes são dias de muito contacto pessoal e é mais profundo caso este se faça a partir do coração, numa vibração comum. E foi realmente assim que nos sentimos depois da pratica: vibrando por dentro! Depois de tempo de convívio, passado a conversar de molho nos poços de agua, foi tempo do primeiro circulo de mulheres. Foi inebriante. estes círculos gera-se uma energia compartilhada muito forte que transparece numa sensação de confecção profunda, entre todas, com a Mãe Terra e com o sagrado dentro de cada uma. Conduzido pela Livia e pela Ana, hipnotizaram-nos com cânticos e tambores xamanicos, olhos essenciais e defumações. Estes círculos são espaços muito importantes para o feminino pois são totalmente horizontais, de partilha, co-criação, cooperação e compreensão. São lugares que sacralizam o que de mais essencial e especial há em cada mulher e promovem o amparo e a co-criação, e podem funcionar como espaços de empoderamento contra o patriarcado e os valores destrutivos difundidos pela sociedade em geral. Olhar para dentro para encontrar força e propósito e lutar, fora.



Antes do jantar tivemos ainda uma apresentação de dança do coco, tradicional do Ceará, e uma apresentação musical das crianças vizinhas. Após uma pausa para jantar seguimos com o workshop de ginecologia natural, enquanto os homens se juntavam em circulo ao redor da fogueira. A Lidia ensinou-nos um pouco de ginecologia natural e como combinar oleos para fazer uma pomada intima. Mais um tema que se abriu novo para mim, a responsabilidade natural que cada mulher tem com o seu intimo. Em vez de confiarmos cegamente em ginecologistas podemos manter um equilíbrio natural da saúde intima feminina, estar atenta aos ciclos e perceber suas mudanças para antecipais eventuais problemas. Para mim este cuidado pessoal traduz-se em amor próprio, em respeito e em veneração.



O ultimo dia do ano amanheceu ainda mais quente do que os dias anteriores, como que a pedir para ser notado, recordado. Com ele chegou também o meu período, e com ele o reboliço do primeiro dia do ciclo: cólicas e mal estar. Pela primeira vez experimentei os paninhos absorventes reutilizáveis e funcionaram perfeitamente: limpo, seguro e pratico. Linda, com o novo método absorvente, fui participar na meditação Activa dada pela Sara. Não sei se foi pelas alterações hormonais, se foi o culminar de tantas emoções e aprendizados mas a sessão foi tão forte que me fez chorar. A Sara guiou-nos por uma visualização tetra healing tão bem que me fez sentir presente - aqui -agora - neste planeta tão maravilhosos e com pessoas tão extraordinárias. Esta plenitude seguiu-me o resto do dia: foi comigo para a tenda da lua, acompanhou-me nas conversas ao almoço até se aninhou a meu lado, à hora da sesta.



Depois de uma ducha bem gelada, o menu de réveillon esperava-nos: chope artesanal e pizza vegana salgada e doce, simples, delicioso. Até às onze e meia dançamos ao som da Banda Behú e antes das 12 badaladas vibramos com umas projecções psicadelicas na Oca. Para a virada em si, fizemos um comboio de reiki! Assim entramos em 2019, com muito amor, magia e massagens (:


Desejo intensamente que 2019 traga a toda a gente tanta alegria quantas descobertas e encantamento pelo Mundo.

De 2018 só temos gratidão no coração, foste mais do que especial, mudaste-nos como pessoas e através dos desafios, medos e incertezas que plantaste no nosso caminho hoje vemos o mundo de forma muito diferente, somos mais livres e somos mais nós.



コメント


bottom of page