O Jalapão é uma reserva natural situada no interior do Brasil, no estado de Tocantins. A par da sua beleza natural, como cachoeiras e fervedouros (pequenos poços de água quente e cristalina) é também conhecido pelas suas estradas de terra batida e as chuvas tropicais que inundam essas mesmas estradas, transformado-as em auto-estradas de lama. Para poupar uma volta gigante, decidimos atalhar por entre os campos imensos de monocultura de soja, que circundam toda a região.
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O Agronegócio no Brasil atinge proporções inimagináveis. É assoberbador e assustador cruzar dezenas de quilómetros e quilómetros seguidos com plantações de soja transgénica até perder de vista, no horizonte. Quando fazemos o exercício de reflectir e imaginar que todos estes hectares já foram mata, e que um dia foi desflorestada em prol do uso abusivo e desgaste intensivo do solo, não ficámos com muita vontade de ir ao supermercado, nem mesmo à mercearia, senão de cultivarmos nós mesmos - e de forma saudável - o nosso próprio alimento. As grandes distribuidoras e vendedoras de sementes, hoje em dia vendem também a doença e a cura, modificando a genética da semente, introduzindo a doença e dominando o mercado dos pesticidas e fertilizantes químicos para combater essa mesma doença. Para dar o exemplo do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, aqui no Brasil, hoje é maior o território em hectares de fazendas à volta da Reserva Natural, do que o território da própria Chapada dos Veadeiros. Ao longo do tempo, os fazendeiros foram expandindo e roubando hectares ao Parque Natural, e quando inquiridos sobre as políticas de preservação e protecção da fauna e flora local, os mesmos reclamam da falta de apoio financeiro para levar para a frente esse tipo de iniciativas ambientais. Já para não recorrer ao argumento de que estamos a falar de gente milionária, o mínimo que se pode requerer é uma consciência ambiental que surja dum interesse natural em não prejudicar o planeta Terra. Isto é, a mim ninguém me paga para não atirar lixo pela janela do meu carro, quando estou a dirigir. É do meu interesse não fazê-lo, não necessito de apoio financeiro para me motivar a não fazê-lo. É urgente a educação para a preservação e cuidado do Planeta. A preocupação e melhor entendimento da Natureza tem que ser uma valor gerado na educação das próximas gerações, e não uma obrigação burocrática impingida às empresas apenas nos países mais desenvolvidos.
Outra questão é perceber que comer é um acto político. É importante estarmos cientes da real proveniência dos alimentos que consumimos. Sermos conscientes de todo processo da alimentação. Desde que o alimento ainda é uma semente até o mesmo chegar à nossa mesa já cozinhado. Mesmo quando estamos convencidos de praticar uma alimentação saudável ou natural, nem sempre o fazemos realmente, assim como não deixámos de contribuir para o negócio do século: a alimentação irresponsável. Comemos frutas e legumes comprados em grandes ou pequenas superfícies, convencidos que a nossa dieta é consciente. O que ignorámos é que nessa fruta e nesse legume é quase maior o número de químicos do que o número de nutrientes presentes. Ninguém descreve melhor que o Sr. Fukuoka, no seu livro “Revolução de uma Palha”, o trajecto de vida dum alimento inserido no mercado convencional. A maçã que compramos, para alimentar mais a nossa imagem de saudável do que realmente o nosso corpo, foi fertilizada quimicamente; foi sujeita a distintos tratamentos artificiais para afastar insectos (os melhores colaboradores do horto); para controlo do sua textura, da cor e da luminosidade da sua casca; para atingir parâmetros legislados mundialmente sobre tamanho, peso e consistência. Como se não fosse suficiente, a mesma maçã foi colhida antes do tempo e injectada com retardadores de amadurecimento, para que possa resistir ao transporte até aos locais de venda. Quando encontramos à venda bananas que vieram do Ecuador e ainda estão verdes, sim ou sim, temos que questionar o processo por de trás do alimento. Como terá sido o percurso de vida deste alimento, para que chegue do outro lado do Mundo para Portugal e ainda esteja por amadurecer nas prateleiras das mercearia e supermercados dos nossos bairros.
Foi com estes pensamentos que chegámos finalmente a Mateiros, a vila central do Parque Estadual do Jalapão. Para nossa sorte, a nossa chegada foi acompanhada duma chuva tropical imensa, o que significa que por pouco não ficámos atolados no meio da lama. Sondámos os alojamentos e restaurantes locais, mas assim como o calor, os preços altos tendiam a não baixar. Adentrámos um pouco mais no parque e descobrimos um lugar para acampar junto a um rio.
Do outro lado da ponte ficava a casa da Adejane, uma artesanato local de capim dourado, o ex-libris da região. Ao visitar a sua pequena loja, rapidamente iniciámos uma troca de amizades e produtos. O Ricardinho e a Violeta trocaram sabonetes naturais e cerâmicas por si feitos, por bijuteria de capim dourado. E, mais tarde, a Catarina os seus colares de macramé por dois brincos e uma bonita taça. Não é a primeira vez, ao longo da viagem, que sentimos chegar na altura exacta em que alguém estava necessitado de alguma ajuda. O marido da Jane partira nesse mesmo dia para uma viagem de trabalho com duração de uma semana e, apesar da companhia dos seus três filhos e dois sobrinhos, a artesã fez questão de nos manter por perto, pois gostou bastante da nossa companhia e como a própria disse “nunca é demais ter mais dois homens por perto para segurança”, mesmo que eu seja um palito de gente e o Ricardinho - como o nome indica - não é propriamente um armário de dois metros de estatura.
Assim, começamos a frequentar a casa da janela e sua família. À noite, sempre passávamos lá o serão ajudando no artesanato. Durante o dia, sempre tínhamos a companhia dos três rapazes. Eles eram os senhores conhecedores do rios e do bosque. Em excursão, ensinaram-me a mim e ao Ricardinho (mais ao Ricardinho porque ele é que é o especialista na matéria) sobre as plantas, frutos e as sementes locais. Quando o calor intensificava ainda mais, saltávamos também para o rio através dos baloiços de madeira que os rapazes tinham inventado. Para além, de sábios biólogos revelaram-se também talentosos acrobatas. Fizemos ainda campeonatos de fisga, que eu perdi constantemente e jantávamos e almoçávamos frequentemente com a família. Enfim, estávamos em casa.
A presença dos rapazes significou um grande aprendizado. Para além da profunda relação com o meio onde viviam, alimentavam também uma boa relação entre eles mesmos e o resto da família. Estando de férias, ajudavam organizadamente não só na fabricação do artesanato como na manutenção de toda a casa. Cuidavam também da Ana Clara, a irmã mais nova, que não obstante de ter um feitio de meter medo ao Diabo, tinha o maior ar de anjinho!
Com todo este envolvimento e ainda cansados dos dias exaustivos de estrada, só passado alguns dias decidimos ir explorar um pouco mais a região. Contudo, sem grande esforço, na companhia da jane e sua família estávamos mais do que confortáveis e como um ninho aconchegante não tínhamos muita vontade de sair dali. Por isso, visitámos apenas um dos vários fervedouros, o que ficava mais perto de casa!
A sensação foi muito estranha, quando nos deparamos com aquele buraco de água quente, azul, mas bastante turva, não deixando adivinhar a sua profundidade, que sabemos na teoria ser de vários metros. As meninas assumiram a iniciativa e puseram o pé na areia que circunda o poço, de repente um berro se soltou!
A areia de uma consistência cremosa, começa por sugar as pernas até aos joelhos, parecerem areias movediças. O melhor mesmo é mergulhar directo. No entanto, também não vamos muito longe, pois independente da força com que saltemos para a água esta traz-nos sempre à superfície num ápice, devido à pressão da mesma.
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Ao longo destes dias restabelecemos forças. Cheios de sementes de Pequi, Murisi, Copiaba, cocos anões e outras coisas que para mim são todas novidade, despedimo-nos daquela que já era praticamente a nossa família, e voltámos a pôr o pé na estrada. O próximo destino seria a Chapada dos Veadeiros (que eu referi no início do texto). Desde que saíramos do Ceára que o Ricardinho estava a tentar contactar um velho amigo que é guia lá na Chapada. Mesmo que durante estes dias todos, esse tal amigo chamado Lucas nunca tivesse respondido, a confiança do Ricardinho era tanta em que ele nos iria receber, que começamos a duvidar se este amigo não seria imaginário!
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