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o Paraíso dos veadeiros

Foto do escritor: CatarinaCatarina

A Chapada dos Veadeiros é um lugar encantado. Como tal, a sua história é, de facto, um conto de fadas, com direito a lugares mágicos, personagens surreais e muito, muito amor.



Chegamos à Chapada cansados, moídos e sujos! Antes de ir para Alto Paraíso fizemos uma paragem em Cavalcante, uma vila pequenita, a última antes das comunidades Kalungas. Desde o início que o Ricardinho dizia ter um amigo de infância a viver na Chapada, mas como o contacto através do facebook estava difícil, começamos a árdua tarefa de o encontrar pessoalmente! Com este objectivo em mente fomos ao posto de turismo onde além das informações sobre o que visitar, o Ricardinho aproveitou para perguntar se alguém conhecia o Lucas, que também é guia, assim alto e de cabelo encaracolado. Nada! Andávamos às voltas, tentando encontrar um lugar para dormir quando o Ricardinho grita: "É o Lucas, é o Lucas! Naquela moto, vamos segui-lo" Claro que a Vi começa logo a reclamar "Como podes saber? Já não o vês há anos e estava de capacete!" Com tanta indecisão acabámos por perder o nosso suspeito e virar para a zona da beira rio, afim de montar acampamento. Os rapazes empenharam todos os seus esforços para acender uma fogueira, de forma a cozinharmos o jantar, mas como tinha chovido bastante a lenha estava demasiado molhada. Claro que isto não é um transtorno para o Ricardinho, que munido dos pacotes de noodles e de um charme sem fim se deslocou ao restaurante da esquina para gentilmente pedir à dona que aquecesse os seus noodles! De barriga forrradinha fomos todos dormir, e, provavelmente, sonhar com o Lucas!



No dia seguinte tomamos o café da manhã na melhor padaria do Brasil: começamos por pedir 2 pães de queijo e no final devemos ter comido uns 10 cada um, de tão deliciosos que eram!


O ambiente de Domingo de manhã era muito semelhante à familiaridade de um Domingo em Viana, Canelas ou São João da Madeira. Ciclistas chegavam e cumprimentavam seus amigos na esplanada, senhoras de carrinho de bebé passeavam e acenavam a quem se cruzava, jovens em botas de montanha bebiam o seu cafezinho e conversavam. Nos já nos estávamos a imaginar a viver aqui, fazendo parte desta pequena comunidade tão alegre. Mal sabíamos que iríamos estar mais perto dessa realidade do que a imaginação nos permitiu criar...


Chegamos a Alto Paraíso com chuva, a avenida principal não surpreendeu ninguém, e estávamos já sem esperança de encontrar o Lucas. Sentamo-nos na esplanada de um café para usar o wifi e tentar arranjar um plano para os dias seguintes. Quando a chuva deu uma trégua eu e a Vi fomos dar uma volta pelas lojitas e é aqui que a magia começa a acontecer. De volta ao café quem estava lá sentado? O Lucas! Por fim tinha-se conseguido comunicar com o Ricardinho e o tal elfo da floresta apareceu do nada. De imediato nos convidou a todos para sua casa, onde conhecemos o resto da família: a nossa fada madrinha Rafa e o seu rebento Bentinho, mais parecido com um anjo celestial do que com uma criança. Fomos recebidos de braços e corações abertos, muita descontração e à vontade como se fossemos amigos há séculos. Sentido-nos logo em casa (: Ao jantar chegaram a Ingrid e a Bia, que prepararam para todos um caldinho maravilhoso e como de repente estavam oito pessoas encafuadas na pequena casinha deles repartimos caldo em taparueres, copos e outras taças que tais.



No Domingo, dia de feira, o Pedro acordou animadíssimo para ir vender trufas. Levantou-se de um salto, comprou os ingredientes, misturou amassou e moldou 20 lindas trufinhas veganas. Em caravana fomos todos para a feira que era bem divertida e muito hippie! Muitas bancas de legumes do pessoal do MST, das comunidades Kalungas, muito artesanato belo, roupa em 2a mão, cristais, incenso e até massagens! E o melhor? O Pedro vendeu todas as trufas! Comemoramos a vitória com um caldinho de cana, o seu favorito. À hora de almoço a caravana de amigos seguiu para a casa da madrinha do Bento, onde a família-amiga dos nossos anfitriões estava preparando um almoço árabe: humous, babaganozush, pão pita, molho de iogurte, lentilhas e deliciosos kaftas! Tudo mais do que delicioso, regado a muita conversa, cerveja e animação com os mais pequeninos.



No dia seguinte o Lucas tinha uma tour marcada e aproveitamos a boleia para ir conhecer a trilha do Sono. Foi das mais bonitas trilhas que já fizemos na vida! Começamos numa floresta encantada com vários rios para cruzar, árvores frondosas e ramos que se entrelaçavam como namorados. Fizemos uma pausa numa lagoa azul com areia branca e seguimos por uma zona mais desértica, com arbustos e cactos de média altura, flores exóticas e muitas poçinhas cristalinas para a Levi saciar a sede, sempre com pares de araras ou bandos de papagaios colorindo o céu e enchendo o ambiente de seus gritos alegres. Chegando ao ponto alto da trilha cruzámos uma verdadeira cidade de aranhas! Suas teias iam do chão até ultrapassar a nossa altura, tinham base, tecto e várias paredes. Os fios brilhavam ao Sol e elas, pequenas, esperavam serenas os insectos que caiam em suas armadilhas. A cachoeira do Segredo denunciou sua presença antes de mais pelo som. Essa força que vibra cada partícula de água do nosso corpo e nos atrai, atrai, atrai... Com renovada energia desátamos a galgar as pedras que nos separavam e, entre uma e outra, surgiu: o Segredo! Esplendorosa queda de água com 100 metros de altura. Todos precisámos dum momento para absorver o cenário, mas rapidamente fomos despertados pelos latidos histéricos da Levi que tentava convercer uma família de turistas a atirarem-lhe o pauzinho.



Apesar das águas geladas não resistimos a mergulhar na lagoa e tentar alcançar a base da cachoeira, tarefa bem difícil pois a força da queda é tal que não permite muita aproximação, o peito aperta, torna-se difícil respirar, e as goticulas que salpicam a cara tornam ainda mais aflitiva a aproximação. Refastelamo-nos com o Sol, deitados nas pedras, deixando o som da água embalarnos numa sesta rejuvenescedora. O entardecer revelou-nos o segredo da cachoeira: um arco-íris mágico se forma a meio de sua altura (:



O regresso foi também magnifico, apanhámos o entardecer nos vales da serra do Segredo, cruzámos a canela de ema, uma planta medicinal ancestral exclusiva do biotipologia do cerrado e também sálvia branca, muito utilizada para defumações e incensos. Esta é uma das razões porque a Chapada é um lugar tão mágico, a Natureza está repleta de propriedades especiais e as pessoas sabem muito bem como utiliza-la de forma medicinal. Por todo o lado há cristais, incensos, pedras preciosas, sabonetes caseiros, incensos afrodisíacos, chás para qualquer tipo de mal-estar, rapé, ayuasca ou maconha. Isso é porque a zona da Chapada está assente sobre uma enorme placa de quartzo! Dizem que vista do espaço é o ponto mais brilhante da Terra.



O dia seguinte foi para descansar e ficar em cada a brincar com o Bentinho. Este anjinho celestial ou pacotinho-de-amor, como lhe chama a Rafa, é a criança mais alegre que conhecemos. Acorda a pedir chá com bolachas e "Hero" um filme de animação sobre robots ao qual devemos ter assistido umas 20 vezes. Entretem-se a pintar, a andar de skate, a atirar paus à Levi ou a brincar com terra e lama, e a Rafa é a mãe mais descontraída de sempre.

Presenciar a relação de amizade entre eles foi muito inspirador para nós como futuros pais um dia, e ver a descontração da Rafa em relação ao Bentinho fez-nos repensar muitas das crenças limitadoras que tínhamos em relação à parentalidade. Ficámos com a certeza de que as nossas mais fortes intenções como pais é criar um laço de amizade profundo, de divertimento e aprendizagem mútua. Só faz sentido se for para ser feliz (:



Outro detalhe que me marcou muito na relação entre os 3 foi a perfeição da imperfeição. A casa deles não é perfeita, a situação económica tão pouco, mas decidiram focar-se no Bento e priorizar o tempo com ele, enquanto é pequenino. Com esta decisão criaram um tempo-espaço de interação maravilhoso!

O próprio ambiente de Alto Paraíso também propicia um tipo de relação entre as pessoas diferente, pois o ritmo é muito mais fluido com a vida, não há pressas, não há metas, nem seque há muitas coisas em que gastar dinheiro! A diversão está muito mais ligada à natureza: há cachoeiras e trilhas para fazer, concertos, dança e terapias alternativas. Mas não existem shoppings nem lojas fancy! Aqui vive-se uma vida mais simples, plena, conectada com os amigos e a natureza.

Quanto mais tempo passa da nossa estadia em Alto Paraíso mais nos apercebemos do quão especial e mágico é este lugar, e quão perto está de ser o lugar "perfeito" para nós.



Para que conhecêssemos mesmo mesmo bem a Chapada, a Rafa e o Lucas levaram-nos a conhecer um dos seus lugares favoritos: A Cachoeira do Prata! Planeámos muito bem esta caminhada, pois levaria pelo menos um dia a chegar e outro a voltar, portanto pernoitaríamos lá, num pequeno camping familiar. De mochilas cheias de comida, águas, sacos cama e tendas combinámos sair às 5h da manhã de quinta-feira. Claro que só saímos às 11h, e o caminho de terra até ao inicio da trilha foi tão longo e penoso que acabamos por chegar apenas às 15h, o que, claro, não era um problema para ninguém além de nós os dois. A primeira parada foi numa lagoa encavalitada entre socalcos, com profundidade suficiente para saltos em altura e muitos recantos para explorar. A Levi saltitava extasiada entre as poças, as pedras íngremes e escarpadas e claro, sempre pedindo a toda a gente para lhe atirar pauzinhos. Daqui seguimos para as piscinas, uma zona do rio com várias lagoas pequeninas, escorregas naturais e e uma vista para o bosque da serra adjacente inacreditável. Foi a minha parte favorita e, tal criança, não me cansava de explorar todas as pocinhas, descobrir escorregas e jacuzzis, subindo, descendo, saltando para a água, nadando! Já no finalzinho da tarde chegámos ao camping, cujo casal responsável tinha também um pequenito da idade do bento, o Cauã, o que permitiu muuuuuitas brincadeiras novas. Cozinhámos um arroz de linguiça com verduras e enquanto o grupo ainda se reuniu à volta da fogueira eu juntei-me à Levi na tenda, mais cansada do que a grávida Violeta!



Na manhã seguinte acordámos com o Bentinho na tenda ao lado: "Mã?" - "Mamã?" - "Mamãe!!!" e com a mesma vivacidade saltamos da cama, desfizemos a tenda, fizemos aveia para o pequeno-almoço, brincamos com o Bento e o Cauã e...continuavamos a ser os únicos acordados! Aproveitamos para ir tomar um banho de rio e depois sim, já todos reunidos, seguimos para a cachoeira do prata. A trilha era puxadota, com bastantes subidas e descidas, o que nos dava vontade de trocar de lugar com o Bento e ir para o marsúpio no colo da Rafa! Mas valeu a pena. No final esperávam-nos uma lagoa azul, digna de filme, um impressionante jardim vertical e a cascata do rei! Banhamo-nos, tomamos sol, brincamos com o Bento e a Levi, fizemos um pic-nic e até uma sesta. Como ninguém tinha muita vontade de apressar o tempo e como ainda para mais o nosso carro estava com uma fuga de água que precisava de ser remendada antes de voltarmos, decidimos ficar uma noite mais, que ainda por cima foi oferecida pelo simpático casal do camping. A noite foi pautada por uma tremenda tempestade! Relâmpagos iluminavam a nossa tenda de tal forma que parecia que alguém tinha acendido a luz a ponto de se ver perfeitamente os contornos das arvores e arbustos vizinhos; os trovões soavam tão alto que estremeciam a Levi e a mim de medo. Não caiu uma gota de chuva, mas foi a tempestade mais perto que presenciámos. Na manhã seguinte, nem vestígios da passagem de Iansã, o céu azul celeste convidou-nos a correr para as piscinas naturais e recomeçar toda a brincadeira das pocinhas.



De volta ao parque de estacionamento, o Pedro sujou-se dos pés à cabeça em óleo, mas conseguiu arranjar a fuga de água!

No regresso fizemos uma pausa esfomeados em Cavalgante para devorar uma picanha (a primeira e última do Brasil) e chegámos a casa exaustos, mas contentes e energizados.


O dia seguinte foi Domingo, e como tal partilhámos mais um momento da família-amiga, desta vez com a Leticia, o Thiago e seu bebé Salomão. Passámos a tarde numa lagoinha que só os habitantes conhecem (:

O tempo, em Alto Paraíso, é distinto. Um cafezinho rapidamente se prolonga num jantar, um almoço num lanche uma lagoa num workshop de macramé. Isto sentimos nos dias seguintes à Vi e ao Ricardinho terem seguido caminho, a rotina da Rafa e do Lucas voltou mais ou menos ao normal. Partilhámos um pouco do dia a dia normal deles: vimos muitos "Heros", fomos lanchar o melhor pastel de vento, conhecemos mais uma cachoeira cujo complexo tinha um pula-pula para o Bentinho, e acima de tudo partilhámos tempo. Tempo para conversar, cozinhar, limpar e brincar. Tempo de nos conhecermos, de criarmos uma empatia muito forte e de nos admirarmos mutuamente.

Alto Paraíso e a Chapada foram imensamente especiais para nós e temos a certeza que isto se deveu principalmente à nossa fada-madrinha, ao nosso elo da floresta e ao nosso pequeno anjo, pacotinho-de-amor.



Já de saida ainda demos um salto à eco-aldeia Flor de Ouro onde quase quase ficávamos a fazer voluntariado, não estivesse quase a terminar o nosso visto. Fomos tão bem recebidos pelo abraço caloroso da Luana e do companheiro e a visita se prolongou para o almoço e estreia do restaurante vegetariano que estavam inaugurando. Passeando pelo espaço conhecemos a sauna, a tenda da lua, a casa da meditação e o atelier de instrumentos. Admirados, escutamos um sotaque de português de portugal e seguindo-o encontramos a casa do Luis, que se encontrava a fazer um retiro medicinal na Flor. Depois de duas de letra voltamos para o restaurante, partilhando o almoço com o João e o Grabriel, dois construtores de instrumentos que também conheciam o João de Yacaranta! O Brasil é mesmo um penico. Ainda da comunidade do Moinho ainda fomos conhecer o espaço da Dona Flor, uma doula antigaaaaaa, que participou do parto de algumas amigas da Rafa. Por coincidência estavam abertas as inscrições para um curso que nos tentou aos dois, ahahah. Tá difícil largar mão de Alto Paraíso, mesmo!



Como despedida, partilhamos o último jantar com a Rafa, o Lucas e o Bento numa risoteria em S. Jorge, onde além de do ambiente ser extra acolhedor, a comida era absolutamente deliciosa!

Como a madrugada, a nossa alma amanheceu com envolvida pela bruma por deixarmos este pequeno paraíso, mas sabíamos que muitas aventuras nos esperariam e, de qualquer das formas, um dia podemos sempre voltar!



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