Finalmente a nossa espera chegou ao fim. Dia 30 de Janeiro, um contentor com a Patasaura lá dentro, deu à costa!
Fizemo-nos convidados para a cerimónia de abertura do mesmo, apesar de só pudermos retira-la no dia seguinte, devido a uns tramites que faltavam fazer.
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Faço aqui um parêntesis, pois esta palavra tem muito e quase nada que se lhe diga. É uma espécie de “cena” apropriada a processos formais. Se vamos assinar uns documentos, vamos fazer um tramite. Se precisamos duma autorização, vamos fazer um tramite. Se vamos tirar o cartão de cidadão, vamos fazer um tramite. Normalmente quando nos dizem a palavra tramite, nunca se percebe ao certo que burocracia em concreto é necessário fazer, mas temos sempre a certeza de que é algo penoso e demorado que vai irritar o nosso dia. Talvez seja por isso, que não consigo desassociar esta palavra do nosso “fax”. Vou ali fazer um tramite e já venho.
Ficou combinado encontrar-me com uma pessoa que nunca vi e com quem nunca falei (e vice-versa), no porto de Montevideo. Tinha tudo para correr bem. E, de facto, correu. Quando cheguei ao local, encarei todas as pessoas que vi com o mesmo olhar da Levi, quando nos pousa um pau nos pés e espera que lhe demos de volta. Até que entre todos os desconhecidos, um deu-me o pau de volta, neste caso, o olhar de volta. Assim dois desconhecidos se reconhecem num porto cheio de gente.
Estava acompanhado do senhor francês que partilhou o contentor connosco, um cavalheiro de meia idade, muito energético e confiante. Disse-me que já tinha percorrido a Patagónia em 15 dias, que adorou, tudo gente boa, e ia pôr-se a milhas para o Paraguay ainda nesse dia. É engraçado, os mais novos é que viajam com mais calma.
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Enfim. Partiram-se os cadeados, rangeram as portas, tiraram-se as fotografias, e lá estava ela. Patasaura em pessoa e de malas em cima, à nossa espera. Ainda não a tinha libertado da sua jaula, e reparei que lhe faltava um espelho retrovisor. Rapidamente, pelo raspão na parede do contentor e pela marca de tinta no espelho, os estivadores uruguaios, quais detectives, apressaram-se a concluir que os estivadores franceses tinham feito merda (rico espirito de camaradagem). Segundo as provas do crime, partiram o espelho ao carregar a carrinha no contentor, calaram o bico e não avisaram ninguém, colocando o espelho direitinho em cima do banco do condutor, como se ele tivesse vida própria.
Conferi que não havia mais danos externos, nem tão pouco internos. Pois confesso, que foi com alguma surpresa, que constatei que a mobília construída por nós estava intacta. Com tudo averiguado, dei-lhe um tapa no capôt e prometi voltar no dia seguinte para a buscar.
Dito e feito. No dia seguinte, ocupamos a manhã com tramites. Na verdade, estes foram bastante rápidos, a única etapa realmente demorada, foi a espera de duas horas e meia para obter um papel que autoriza fazer os tramites em si. Depois de levantarmos a carrinha fomos submetidos a uma inspecção. Dois agentes da aduana pediram-nos que abríssemos a porta lateral. Sem darem um passo, perguntaram se tínhamos frigorífico (WTF?) e disseram que estava tudo bem, iríamos só fazer mais um tramite final.
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Cruzamos Montevideo sem parar nas passadeiras. Até agora não percebíamos porque os condutores eram tão estúpidos por ignorarem de forma tão escandalosa os peões. Bastou um minuto para percebe-lo. O excesso de informação visual nas ruas é tanto, que entre os sinais de trânsito, as cedências de passagem a cada quarteirão, as placas que indicam o sitio para onde queremos ir e os outros condutores que são um perigo, o mais prático é entregar os peões à sorte alheia e eles que arrisquem a vida para atravessar a estrada.
De volta a Suarez, decidimos ficar mais um dia para arrumar a casa e, de seguida, partirmos para explorar a costa atlântica do Uruguai.
30 e 31 de Janeiro, 2018
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