As primeiras semanas depois da separação foram maravilhosas. Ainda mais amigos e companheiros, sentiram-se várias mudanças, como por exemplo o Pedro passou a encarregar-se dos café da manhã, inventado verdadeiras orgias em bowls: coco, papaia, nibs de cacau, maca peruana, frutos secos, mel, aveia, outros cereais; a cada dia uma nova combinação) e tagarelávamos incessantemente.

Ficamos em Salvador mais um dia para o Pedro conhecer e para tentarmos assistir ao ensaio de Olodum — sem sucesso, no entanto. Dedicamos a manhã à logística: lavar roupa, limpar, etc; e à hora de calor fomos para a praia com a Levi, pois não se aguentava em nenhuma outra parte. Ao final da tarde, deixamo-a, guardando o carro, e apanhamos um ónibus para o Pelourinho. Jantamos num boteco boteco e terminamos a noite assistindo a um concerto de samba de roda, com direito a show de dança! Para voltar, Uber é claro! Sempre deu para ele absorver um pouco desta cidade colorida e animada.
Quarta-feira iniciamos a nossa excursão pela paradisíaca costa nordestina. As praias com que sonhávamos há um ano foram percorridas em menos de um mês, mas nem por isso menos aproveitadas. Tivemos dificuldades em encontrar lugares para acampar, pois todo litoral está bastante edificado o que torna impossível encontrar sítios selvagens.

A nossa primeira paragem foi em Arembepe, na aldeia hippie que existe desde 1960, e pela qual passou até Janis Joplin. A estrada chega apenas à entrada, onde também se encontrar o Projecto Tamar, de protecção de tartarugas marinhas. Deixando aí o carro, segue-se a pé por dunas cobertas de vegetação com o mar à direita e uma bacia de água doce à esquerda. A abundância de coqueiros forneceu madeira para a construção das casas e comidinha, nos primórdios da aldeia, contou-nos Berimbau, o ocupante da casinha mais simples no topo duma duna. Ao todo, devem viver apenas dez pessoas permanentes na aldeia, pois um recente problema com traficantes de droga, que decidiram montar o seu quartel apenas a meio quilometro de distância, acabou por afastar muita gente. O ambiente é tranquilo e as casas lindas. Têm uma pequena escola em funcionamento, um restaurante e um hostel. Apesar da estrutura, a energia é como a de um lugar meio abandonado. Acabamos por ir passar o final da tarde na praia e a noite na nossa casinha. Talvez se soubéssemos que aquele lugar seria o mais privado que teríamos em toda a costa, nos tivéssemos detido um pouco mais, mas a curiosidade era demasiada e, assim, no dia seguinte seguimos para Imbassaí.
Chegamos cedo, pegamos num ananás, água, livros e chapéu e fomos para a praia. Estendemo-nos debaixo da sombra de um coqueiro, deixando a Levi correr à vontade. O Pedro aguenta-se pouco tempo na toalha e em cinco minutos juntou-se ao cão nas brincadeiras aquáticas. Depois do almoço decidimos seguir para a Ponta da Siribinha, pois vimos no iOverlander um ponto marcado pelos nossos amigos do Landcruising Adventure.

Infelizmente, chegamos de noite devido às condições da estrada mas o itinerário foi de cortar o folego, em estrada de chão tão perto do mar que quase lhe podiamos tocar, ladeados de dunas e uma verdadeira floresta de coqueiros. Tomámos uma cerveja na aldeiazinha, no unico bar que havia, escutando sertanejo e observando as crianças a brincarem na rua.
Mangue Seco esperava-nos. A última parada da Bahia foi a despedida ideal. Chegando à aldeia encontramos um pescador que se ofereceu para nos levar à ilha onde foi gravada a novela Tieta do Agreste, por um preço optimo! A Levi não gostou nada da travessia mas nós sentimo-nos como piratas ou exploradores intrépidos. Já na ilha, fomos conduzidos pelo nosso capitão a provar um prato típico da Bahia. Eu babava-me por uma moqueca, mas a nossa barriguinha explodiu de felicidade quando lemos - MARISCADA! Confirmamos que não era nada frito e pedimos, imaginando uma travessa de lagosta, camarão, caranguejo acabadinhos de pescar. Para nossa decepção, chegou uma espécie de caldo com troços de mariscos boiando. Estava gostoso, mas nada que se compare a uma bela moqueca - continuarei augada.
Para chegar à praia de mar, do outro lado da ilha, apanhamos uma boleia de buggy. Esta opção de viagem (tipo jipe aberto) já agradou mais ao nosso bichinho, que foi muito contente a levar com vento na tromba. Um cenário idílico aguardava a nossa chegada. Praia de areia branca a perder de vista, mar sem ondas e os - sempre presentes - coqueiros.
Foi na Bahia que o Pedro ensinou a Levi a descascar coco! Antes da casca dura, os cocos têm outra protecção, normalmente esverdeada e muito texturada que os envolve. O trabalho da Levi consiste em arrancar com os dentitos essa primeira capa, para depois o Pedro abrir com o facão o fruto em si. Vê-los a trabalhar em equipa, inundame o coração de mel (: A pé, cansados mas felizes, voltamos ao ponto de encontro com o nosso amigo capitão, que nos conduziu, através dum pôr do sol estonteante, de volta à nossa casinha.
Saindo da Bahia, nunca mais encontramos lugares confortáveis para acampar, por isso a nossa história é meia corrida. Navegámos entre a admiração pelas praias incrivelmente belas e o desapontamento pela estrutura turística estar tão desenvolvida. Agora, não há como negar, para quem gosta deste tipo de ambiente, o norte do brasil é realmente um sonho.
Bebemos água de côco na mesma proporção da quantidade de Sol que nos bronzeou a pele. Exploramos a nossa criatividade culinária ao máximo para variar as saladas frias, pois o nosso gás acabara e foi impossível encontrar um filho de Deus que nos enchesse as botijas. Se os dias variaram entre banhos de mar e horas de condução, as noites brindavam-nos 26 graus às quatro da manhã, música aos berros dos carros kitados para as malas serem puras colunas e chuva a entrar pela janela, pois o calor nunca dá tréguas.
Passamos ao lado de Maceió, uma metrópole com costa azul turquesa e muita animação nocturna. Fugindo do centro, onde dormimos, passamos uma manhã em Paripuera, uma prainha rustica cheia de restaurantes, conversando com Nilda, uma vendedora de amendoins, que não atinava com a localização de Portugal.
Conscientemente, sempre nos esquivamos das lojistas de artesanato. E até a Porto de Galinhas conseguimos sobreviver. Apesar de ser uma cidadezinha pitoresca com os artesanatos mais bonitos.
Recife destacou-se pelo encontro com o Christian, um amigo que conhecemos em Lisboa, e o seu filhote Lucas. Foi muito reconfortante estar com uma pessoa conhecida, com histórias e locais em comum. Quando fomos com o Christian à padaria, conhecemos também o Nuno, o dono da mesma. Um português que se escapou de Espinho, para surfar nas águas cálidas do Recife e acabou a fazer os pães e croissants mais incríveis da América do Sul.
Foi também em Recife que tivemos o prazer de visitar as Escola Rural Waldorf Turmaliana.
Empaticamente, acederam ao nosso pedido de visita e, por sorte, calhou-nos o último dia lectivo do ano, o que sempre significa espetáculo final! Apesar de não termos presenciado a dinâmica das aulas, a professora Kelly explicou-nos todo o funcionamento e mostrando-nos o espaço. Na pedagogia Waldorf cada aluno é visto e pensado como uma pessoa individual, por isso, respeitam-se os seus interesses e os seu ritmo de desenvolvimento. As matérias são lecionadas por módulos, cada temática ou disciplina é exclusivamente explorada entre quatro a seis semanas, de forma a que as teorias tenham tempo de serem assimiladas e testadas. Mas o que mais nos surpreendeu na Turmalina foi a conexão com a Natureza! Esta escola é denominada de rural, pois contém na sua propriedade uma autêntica quinta exclusivamente gerida pelos alunos: durante uma hora todos os dias - faça chuva ou sol - eles tratam da horta, alimentam os animais e colhem os alimentos que abastecem a maior parte da alimentação da cantina. Isto, desde o primeiro até ao nono ano! A qualidade artística das apresentações - dança, teatro e canto - também nos deixou de queixo caído. E tivemos até direito a uma interpretação dos Madredeus.
Saímos da escola totalmente inspirados e com vontade de seguir aprofundando o tema da educação.
Muito obrigado Turmalina e professora Kelly (:
Da escola seguimos em direcção a Olinda, uma cidade que há muito despertava a nossa curiosidade pela sua arquitectura colonial. Ficamos em casa da Ede, uma amiga do Christian, que nos recebeu como se fôssemos família. Ela e a sua própria família: a irmã Fé, o cunhado Rómulo, os sobrinhos, todos foram muitissimo amistosos connosco. Depois de tomarmos um banho e descansarmos um pouco debaixo da ventoinha fomos conhecer a cidade, que é como esperávamos amorosissima. Casas caiadas de branco e adornadas com os mais orneados e coloridos motivos, calçada de pedra, amplas praças e igrejas barrocas. No entanto, só de noite é que se sente o real encanto desta cidade... Nessa mesma noite, depois de estarmos à conversa com o Rómulo e o Beto, saímos para ir a um sarau de poesia com a Simone, uma amiga da família. As ruas estavam cheias! Casa sim casa não ouviam-se concertos, vislumbravam-se exposições, anteviam-se cafezinhos culturais e, quanto ao sarau, toda a gente teve direito aos seus cinco minutos de fama. Além da oferta cultural foi muito interessante ver a mistura de idades: jovens e menos jovens conviviam nos mesmos espaços, faziam parte dos mesmos grupos! Fechando a noite em grande, seguimos um grupo de Ciranda, na casa dos cinquenta anos, ladeira acima, ladeira abaixo.
Passamos mais um dia com estes queridos amigos, que nos receberam e partilharam connosco da forma mais calorosa possível. Tal como eles queremos receber gente em nossa casa: com as portas do coração escancaradas.
Com tanta animação o Natal aproximou-se impiedosamente e demos por nós na véspera da consoada! Apesar de tanto a Ede como o Christian nos terem convidado a passar o Natal com eles, este ano - o primeiro longe da família alargada - tínhamos mesmo a intenção de passar com o nosso pequeno núcleo de três. Assim, quando nos falaram da Tambaba, uma praia de nudistas em Tabatinga, não hesitamos: enchemos o carro com tudo o que fizesse, ainda que remotamente, lembrar a nossa consoada - vinho, pão, azeitonas, queijo e panetone - e não perdemos mais tempo! Foi uma decisão acertada.
Apesar do estacionamento ser público - nada de wild camping - passamos muito bem. Na véspera, visitamos as piscinas naturais e passamos a tarde na praia, com uma cerveja e um prato de macaxeira frita. À noite, montámos a mesa com o nosso maior esmero, com a lua cheia encima da nossa cabeça e, de presente, apenas a presença de cada um e esta grande dádiva que está a ser a viagem.
No dia 25 montamos umas sandes com o resto do jantar e passamos o dia na praia com a cobertura apenas do protector solar, numa espécie de profunda analogia da felicidade de estar nas coisas mais simples, ou de nos despirmos de todo o materialismo característico desta data.

Comments