Se a viagem fosse um jogo de tabuleiro, Montevideo seria uma casa de espera. Uma vez lançados os dados, a carta que nos saíra indicava que a carinha estava atrasada 2 semanas. Chegáramos com uma semana de antecedência, o que perfazia um total de 3 semanas. Assim, poderíamos continuar a jogar, mas sem chaves do carro na mão.
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Apaixonamo-mos pela casa que tínhamos reservado para dormir a primeira noite, pelo que ficamos uma noite mais. No terceiro dia iniciamos uma longa negociata de 5 minutos com o senhorio, e assim ficaríamos a tomar conta do seu reino durante duas semanas, enquanto este se ocupava de férias. Resumidamente ofereceu-nos a segunda semana sem nenhum tipo de problema, assim que nos saiu muito barato este lar só para nós, a dois pés do centro da cidade e a uma quadra da rambla. Na verdade, este seria o primeiro de muitos gestos, que nos fizeram reconhecer os Uruguaios como super amáveis, carinhosos e atenciosos.
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Exploramos a cidade como verdadeiros turistas. Desde idas à praia, livrarias, museus e jardins até às feiras de bairro e velharias. Já tínhamos ouvido várias comparações entre o Uruguai e a Suíça. Mas para além dos preços, que são exorbitantes até no super mercado mais barato, nada mais encontramos de semelhante. Todos os viajantes europeus que conhecemos parecem insistir neste ideia que o Uruguai é muito europeu. Não o achamos de todo. Muito mais europeia, viria a revelar-se a sua vizinha Argentina.
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É justo dizer que a população deste país está repleta de girassóis humanos. Sempre com o seu mate, a respectiva garrafa térmica e uma cadeira de praia atrás, onde houver sol, haverá um Uruguaio sentado a receber o seu calor de frente. E este pormenor é importante! Não interessa que estejam perante a paisagem mais bela do mundo, se o Sol se apresenta do lado oposto, o verdadeiro Uruguaio bem que se senta de costas para a paisagem para receber o sol na cara. Assim, como ir à praia pode significar apenas estacionar o carro no parque, sacar da cadeira e ali ficar, sem sequer pôr os pés no areal, quanto mais na água.
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Foi com naturalidade que nos embrenhamos na cidade. Começamos a descobrir as formas mais económicas de nos movimentarmos, sem que tivéssemos medo de pagar 3€ por uma baguete ou 5€ por uma beringela e uma cenoura, ambos com aspecto triste. De facto, se apenas sobreviver nesta Suíça não é fácil, tendo em conta que um bom ordenado anda na casa dos 500€, quanto mais se praticarmos uma alimentação à base de verduras. Para além de tomates, alfaces e courgettes, pouco mais há que não seja enlatado. Por sua vez, a carne é bastante acessível e a sua qualidade muito boa. O Uruguai sempre foi um dos maiores exportadores de carne do mundo, e tão mais é de espantar tanta produção, quando se dá conta que provavelmente também é dos países que mais consumo interno de carne deve ter.
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O mais ridículo é que comer mal tão pouco sai barato também. Um pacote de batatas fritas não custa menos de 4€ e uma pizza pré-congelada, a módica quantia de 6€, no mínimo. O que nos fez estranhar, pois um dos pormenores que nos chamou a atenção nos primeiros dias, foi a quantidade de pessoas obesas que existe. Principalmente as crianças. Não é exagero dizer que mais depressa se encontra um Uruguaio que reconheça o Carlos Gardel como argentino, do que uma criança que não seja obesa. Quanto a isto, acabaram por nos explicar que é uma questão de estatuto. Se eu posso dar refrigerantes ao meu filho, é porque tenho mais condições de vida, de alguém que só lhe pode dar água.
Montevideo está longe de ser a clássica cidade cosmopolita. Mas é importante referir que tem aspectos muito bem conseguidos. Os espaços verdes inundam a cidade e a rede de autocarros funciona muito melhor que em Lisboa ou no Porto. Algumas mais cidades de relevância viríamos a visitar, mas foi nesta que tivemos o primeiro impacto de conhecer uma capital que não tem grande história. Basta observar os edificios e os arruamentos, ambos são modernos. Contudo, por vezes este sintoma de nação recente revela-se em pormenores mais engraçados, como na visita guiada ao Teatro Solis, em que é mencionada a data em que construíram os acessos para deficientes, em 1998, como parte da história do edifício. A verdade é que é um teatro bonito, mas à parte que teve bastantes anos fechado, assim como o resto da cidade, não conta com largas centenas de anos de histórias para contar.
Apesar de adorarmos a cidade, também usufruímos bastante do tempo em casa. Ocupamo-nos a cozinhar, ler, pesquisar destinos e a conversar. Tudo isto ao som de rock uruguaio e outras iguarias brasileiras, que íamos descobrindo entre a colecção de cd’s que ocupava a sala. Os livros também eram vários e acumulavam-se em todas as prateleiras.
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O Uruguai sempre surgiu no roteiro por ser o país melhor indicado para enviar a carrinha por barco. Não que fizéssemos realmente questão de o explorar. Um pouco à semelhança do Paraguay, este é um país um pouco esquecido na sombra dos maiores. Talvez por isso, não tenhamos criado nenhum tipo de expectativas, e talvez por não termos criado nenhum tipo de expectativas, toda a nossa estadia no Uruguai viria a consolidar-se como uma surpresa muito feliz, e talvez por toda essa surpresa feliz, sempre iremos guardar um carinho especial por estes lados.
8 a 20 de Janeiro, 2018
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