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La vispera, ou o que antecede algo muito esperado

Foto do escritor: CatarinaCatarina

Na Bolívia é comum haver, antes de um grande acontecimento como uma festa, "la previa" ou "la véspera", uma celebração antes de algo muito bom.

Foi assim o nosso tempo na "Finca La Vispera", uma antecipação de algo muito bom que vai acontecer - o nosso futuro. Foi também como uma confirmação: realmente é neste tipo de vida, de projectos, que a gente se sente mais feliz. Não sabemos como, nem quando, nem mesmo de que forma isto vai acontecer, só temos uma certeza e uma intenção muito fortes: levar a conexão com a mãe-terra, a harmonia e o sentimento de estar no lugar certo, para o nosso futuro.

A “Finca la Vispera” começou há 30 anos pelas mãos de dois holandeses mochileiros na América do Sul. Rendidos à Bolivia decidiram fazer desta a sua vida e não houve tempo a perder. Quando compraram este hectare na (antigamente remota) Samaipata, o terreno não era mais do que pura terra íngreme e pedregosa. Depois de várias experiências e muito esforço chegaram ao modelo que existe hoje, uma quinta que aglomera vários serviços, sempre centrada no respeito pela natureza: um restaurante quase totalmente abastecido pelas hortas, cabanas bio-construidas para turismo e um herbolário medicinal. Aqui, neste hectare de paraíso passamos três semanas a aprender de plantas medicinais, a comer bem, escrever para o blog e fazer amigos.



Fomos recebidos pelo Alex e a Nati, irmãos, naturais de Santa Cruz, sucessores dos donos Peter e Margarita. Nada mais tiveram para nós do que palavras boas e ajuda. O Alex, com quem tivemos mais relação pois esteve a cargo da quinta nestas semanas, é energético, decidido e mão-firme. Metódico e picuinhas, está sempre atento a tudo, principalmente a como fazer o negócio crescer.

A Nati é mais calma mas igualmente focada, dá um toque feminino ao espaço e às relações entre as pessoas.

Don Peter e Dona Marguerita, que continuam a viver na quinta, iluminam o espaço à sua chegada. Alegres, conversadores e com um olhar de lince para os detalhes, espalham sabedoria e bem-estar à sua passagem.


Este foi o voluntariado onde tivemos mais contacto com as pessoas locais, pois havia uma grande equipa de trabalhadores com que dividimos as manhãs. Don Mario, uma enciclopédia viva de plantas e agricultura. Dona Justina a pequena responsável pelo restaurante, que nos dava tudo a provar. Dona Juanita e a Roxi, responsáveis pelas cabanas e limpeza. Jesus, Aldair e Daniel, que tratavam das hortas e, por fim, a Maria, responsável pelo herbário e a nossa melhor amiga.

Claro que também há que contar sobre os nossos amigos animais! A Indira, uma dálmata de 3 meses muito divertida e fofinha, a Panda, a dálmata matriarca, com 10 anos de casa, o Valle um cavalo velho viciado em mangas que nos entrava pela cozinha do camping a pedir comida e a gata Preta, aquecedor de colo nas noites mais frescas.



Nas nossas horas de trabalho variamos entre cuidar das hortas: tirar as más ervas, colher, transplantar, regar e dar amor e ajudar no herbolário: cortar e picar folhar, secar plantas, moer, misturar e fazer conservas. Aprendemos tanto! Sentimo-nos verdadeiros alquimistas (: Como não ser feliz numa sala aromática, desfrutando calmamente da tarefa do dia?

Todas as tarefas do herbolario exigem paciência e perseverança, pois a magia está nas partes mais sensíveis e delicadas da planta e é preciso muita sensibilidade para recolher essas energias. Por várias manhãs separamos as pétalas da calêndula, para armazenar para chá. Outras dedicamos a tratar o molle, planta com cheiro parecido ao zimbro, ou cortamos e etiquetamos frascos. Mas também produzimos! Fizemos compota de manga, macerado de lavanda medicinal, curry e muitos, muitos chás.

Pelas tardes dedicávamos a escrever, o Pedro a jogar futebol com os rapazes e eu a fazer doces: leite-creme, mousse de chocolate, baba de camelo, lemon curd, doce de ruibarbo e até tarte de maracujá da tia Dulce. Nem somos muito doçeiros, mas as saudades de casa já apertam de tal forma que qualquer sabor ajuda a amaina-las.



Estes dias foram profundamente marcados pela Maria, a nossa melhor amiga. Na segunda semana já nos estava a convidar para jantar em sua casa! Apesar de termos combinado este jantar com antecedência, ambas nos esquecemos de que segunda-feira seria seu dia de folga, e como não tínhamos nem combinado a hora nem sabíamos onde era sua casa, acabamos por ficar na quinta, atordoados, e com a tarte de maracujá que preparáramos para a sobremesa nas mãos. Qual não foi o nosso espanto quando às oito da noite, estávamos já a começar a fazer o jantar, quando apareceu a Maria!!! Tinha vindo em moto de propósito buscar-nos! Passamos um serão muito engraçado na sua casinha de tijolos exposto e com os dois reguilas pequeninos, o Lucas e o Tiago, a correr à nossa volta. A Maria preparou-nos o melhor Pique Macho de sempre: carne salteada, salsicha, batata frita, ovo cozido, pimento, aji e queijo! Que festim! Também no sábado antes de irmos embora voltamos a casa dela para provar o seu picante de pollo, e desta vez levamos baba de camelo (:

A Maria é muito alegre, brincalhona e audaz, com ela compreendemos muito da cultura Boliviana, da forma das pessoas estarem e serem. Compreendemos, por exemplo, que as casas inacabadas não são um sinal de desleixo, de desinteresse, simplesmente é assim que estão habituados! Aprendemos que as mulheres têm, em norma, filhos muito novas e esta responsabilidade, por vezes, as deixam em situações familiares complicadas e precárias. Mas acima de tudo ensinou-nos a estender a mão para dar carinho quando as pessoas mais necessitam, a ser curiosos, fortes e enternecedores.



O pueblo de Samaipata era também muito acolhedor com sua praça central, casas térreas de barro bem cuidadas e a sempre animada avenida do mercado, onde comemos muitas vezes e provamos a maior iguaria da Bolivia: Sonso, uma panqueca de puré de mandioca e queijo.

Nos nossos dias livre aproveitamos para conhecer as redondezas. Fomos a Mariana comer peixe no mercado, vasculhar livros, saias e aventais de cholita, enfardar bolo de sete camadas e cores radioactivas, e procurar sapatos para o Pedro.

Fomos também ao Forte, umas ruínas Incas de um espaço sagrado. Apesar de bastante degradadas ainda é possível imaginar essa civilização tão culta a andar por ali, em seus trajes magníficos, adorando o Deus-Sol ou sacrificando um lamita.



Além disto, tivemos a sorte também de ir visitar duas escolinhas alternativas, a Flor de la Montana, de metodologia Waldorf, e a Creando Mundo de pedagogia 3000.

A Creando Mundo é um projecto co-criado pela Mae, que tão atentamente nos recebeu. A escola, no centro de Samaipata, tem como intenção acolher crianças de todos os tipos de classe-social, mesmo tendo uma metodologia alternativa. Nesta escola não há salas, senão espaços abertos, os lanches são saudáveis - muito raro na Bolivia - e o uso de tecnologias está limitado ao extremamente necessário - ou seja, sempre que como forma educativa não haja nenhuma outra alternativa. A pedagogia 3000 tem como principal foco o desenvolvimento integral e holistico das crianças, nas suas dimensões mais profundas, cultivando uma cultura para a paz. Passamos a manhã inteira na escola, partilhamos o bolo de aniversário vegan de uma das professoras e estivemos a brincar durante o recreio!



A escola Flor de la Montana, um pouco mais longe do centro (onde cheguei no autocarro escolar) foi criada por um grupo de pais mais hippies, como dizem as pessoas locais. Nesta escola, de salas bio-construidas, faz-se uma roda de acolhimento, todas as manhãs com todos os alunos, depois entrando nas respectivas classes, descalços, fazem meditação, e ensina-se brincando! Eu, que estava apenas a espreitar uma das salinhas (idades entre 4 e 7), fui adoptada pelo Amaru que não me deixou pendurada no umbral e me puxou para o meio da roda de meditação. Com eles estive a meditar segundo a metodologia Atemporália, depois estivemos a brincar com blocos de madeira, e por fim, a jogar um jogo de memoria com letras e números. Durante o intervalo todos os alunos se juntam, e neste dia estiveram a jogar pique-bandeira (: Eu aproveitei a caminhada deles ao monte para conversar com a Liliana, a nova directora da escola, e inspirar-me muito na sua forma de ver o mundo e a educação. No final da manhã, as crianças perguntaram se eu voltaria no dia seguinte <3



A meio da nossa ultima semana chegou o Facundo, um voluntário argentino, muchissimo chistoso. Com ele partilhamos mate, risos e conversas noite dentro.

Para nos despedirmos deste maravilhoso lugar, plantado no meio das montanhas, juntam-nos a um churrasco com os divertido parentes do Alex e da Nati, que nos trataram como verdadeira família.



Foi uma experiência tipo pesquisa de mercado, que nos deixou muito satisfeitos com os resultados obtidos!

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