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Do Rei da Selva aos Animais de Verdade

Foto do escritor: PéterPéter

A corrupção é uma realidade que existe e por vezes bate-nos à porta. Pouco depois da saída de Santa Cruz de la Sierra, parámos em mais um dos controlos militares. Desta vez acabei por dar uso à nota que se recomenda levar no bolso, caso a coisa não corra muito bem. Apesar de não ser a primeira vez que, no decorrer da viagem, lidámos com a corrupção de perto, o nervosismo neste tipo de situações está sempre presente.


Quando entrei no gabinete dos militares, um sujeito fazia-se sentar na sua secretária numa postura exageradamente confiança, como se dum trono se tratasse. Começou por inspecionar os meus documentos e, depois de perceber que não era por ali que a porca torceria o rabo, pediu-me directamente uma colaboração de 10 bolivianos. Uma vez que mesmo ao lado do controlo militar encontrava-se uma portagem, decidi argumentar que pagaria aí a taxa que fosse necessária. Descontente com a minha resposta, o militar decidiu insistir e, novamente, também eu insisti na minha resposta.


Observando a minha falta de colaboração, fez-me ver - literalmente - que ali toda a gente pagava a “contribuição” de 10 bolivianos. Neste momento, olhei para o lado e, de facto, reparei na azáfama de gente que entrava, pousava o dinheiro em cima da mesa e saía sem explicações. Recolhendo o dinheiro discretamente, o militar fazia-o deslizar para uma ranhura que se encontrava na mesa e que ele escondia com o seu cotovelo. Mantive a minha posição e relutância em não pagar ainda assim. Posto isto, o homem decidiu pegar num livro negro que se encontrava em cima da mesa, era o código da estrada. Perguntou-me pelo meu kit de primeiros socorros, um artigo obrigatório. fui ao carro buscar o dito kit e quando o pousei em cima da mesa, ele deu uma gargalhada forçada. Disse-me que o meu kit era ridículo e, fazendo as folhas do livro dançarem rapidamente pelo seus dedos, mostrou-me uma página onde se iluminava todos os componentes que deveriam fazer parte desse kit de primeiros socorros. Era estupidamente grande a lista, nem um cirurgião na CUF tem ao seu dispor uma gama tão vasta de utensílios para trabalhar. Manuseando as páginas do livro com a rapidez e habilidade de um ilusionista, mostrou-me uma outra página, onde no meio dum parágrafo qualquer aleatório um valor monetário estava sublinhado a florescente: a mult é de 300 bolivianos, tens que pagar agora, disse-me triunfalmente. Pedi para segurar o livro na mão e ver com calma e pormenorizadamente a lista dos componentes do kit de primeiro socorros. Acedeu ao meu pedido e deu-me o livro, refastelando-se para trás na sua cadeira, como quem já ganhou o jogo independentemente da minha jogada.


Não sei se o livro era de facto oficial ou não, mas parecia. Segundo os meus critérios, poderia ser perfeitamente o livro de código de estrada português. Nunca na vida o conteúdo da minha bolsa do Ikea para guardar alimentos em vácuo no congelador, com meia dúzia de pensos, uma gaze solta e uma garrafa de alcoolismos pela metade, iria corresponder aos requisitos restritos e infinitos que ali estavam descritos. Vendo-me encostado contra a parede, dei o braço a torcer e propus pagar então a contribuição de 10 bolivianos, apenas. Sem grande esforço, o militar acedeu. Dei-lhe o dinheiro, que foi parar à ranhura secreta num ápice e vim-me embora. Atrás de mim soaram as gargalhadas e comentários de vitória.



Entrámos na Bolívia completamente às cegas. Não pesquisáramos nada sobre o que visitar. Por isso, para nossa surpresa começamos a ver uma série de mochileiros e outros turistas à entrada de Samaipata. Sem o saber, estávamos num dos pontos mais turísticos do país. A vila de Samaipata, que fica perdida entre vales e cerros, é de facto pitoresca. A dinâmica passa-se à volta da praça central e das ruas adjacentes ao mercado municipal. A movida turística e o quotidiano tradicional boliviano misturam-se e harmonizam-se nas ruas, como de resto é tão típico e bonito de se ver neste país.



Para restabelecer energias antes do Carnaval, que estava aí à porta, decidimos hospedarmo-nos durante dois dias no refúgio de animais nativos Jacha Inti. A ideia era também actualizar o blog que, como é habitual, está sempre a anos luz da realidade. Como em todo o lugar, a Catarina chega e trava amizade rapidamente com todas as crianças. Mas desta vez, a criança em questão era um pouco diferente.



Vitorina é uma macaca negra, empática, carinhosa, comunicativa e atrevida. Logo no primeiro dia, fazia-se balançar nos galhos em frente à varanda do nosso quarto, deixando a Levi indecisa se deveria fugir ou atacar aquele ser tão diferente.




Depois de finalmente ganhar alguma confiança, Vitorina acabou por se deixar tocar. E depois de se deixar tocar e conquistar os nossos corações, decidiu abusar da confiança. Entrava pelo quarto a dentro, comia tudo o que ficasse esquecido em cima da mesa e ainda protagonizava algumas cenas de ciúme. Como prova da sua generosidade, consigo carregava muitas vezes um gatinho bebé, dava-lhe colo, abraçava-o e trava-lhe do pêlo. Mas por vezes - verdade seja dita - esquecia dele nos lugares mais inóspitos para o pobre gato. Mais pequenos, igualmente fofos, mas muito menos sociáveis, outros macacos faziam-se passear também. A relação com eles era muito diferente. Isto é, se tivéssemos comida tínhamos atenção, se não tivéssemos nada na palma da mão, eles também não tinham tempo nem disponibilidade para nós.






De resto, entre papagaios, tucanos, tartarugas, aves variadas e um felino - que parecia um gatinho fofo, mas era capaz de matar um elefante - o refúgio encontrava-se sempre com alguma animação.



Aproveitámos para cozinhar, ler, ver filmes, relaxar, passear e, na verdade, pouco adiantámos o diário aqui no blog. O tempo passou depressa e o Carnaval veio com ele. Na véspera da festividade, partimos para Vallegrande.






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