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Carta Aberta: entrega de trabalhos

Foto do escritor: PéterPéter

A propósito da cerimónia de Santo Daime, que tivemos a oportunidade de participar, e ainda sob o efeito de todas as vivências e aprendizagens adquiridas na passagem de ano na Flecha da Mata, decidi redigir uma carta a mim mesmo, como forma de fechar um caminho percorrido até então e, por sua vez, abrir um novo ciclo que dentro de mim se fazia sentir. A cerimónia em questão tratava, precisamente, de entregar o trabalho de desenvolvimento pessoal realizado ao longo do ano anterior com o objectivo de iniciar uma nova jornada através dos frutos daí resultantes. Apesar de não ser Daimista, para este contacto com a Doutrina e como forma de me integrar e entregar melhor à experiência, senti que seria bom eu entregar também os meus trabalhos. Enquanto indivíduo, ao longo desta viagem e não só, tenho passado por um caminho de transformação e descoberta interior, por sinal bem intenso.


Hoje partilho esta carta porque a comunicação faz parte do meu processo de mudança. Nunca tendo sido muito aberto e sempre escondido comodamente por detrás do significado de adjectivos vagos como “tímido” e “reservado”, sempre tive medo de me abrir espontânea e facilmente. Como consequência, alimentava dois ciclos viciosos e negativos dentro de mim: um de auto repressão e o outro de frustração. Pois, se por um lado nunca me dei a conhecer totalmente nem (por vezes) aos amigos e familiares mais chegados; por outro lado, ficava frustrado quando percebia que o (re)conhecimento que as pessoas ao meu redor tinham de mim, não equivalia à totalidade da pessoa que eu era.


Assim sendo, aqui vai:

“Quando pensava que de alguma forma já era espiritualizado em certo grau, dei por mim ao longo desta viagem a tornar-me num indivíduo cada vez mais céptico. Creio que esse cepticismo renasceu devido ao choque de realidades. Observando o Mundo ao meu redor, repleto de espiritualidade, magia e crenças, os pilares pragmáticos da minha educação ganharam uma força maior, mostrando-se com poder e rigidez fortes, o que eu desconhecia. À medida que novos planos de existência se fizeram apresentar no meu caminho e das mais diversas formas, esse regresso ao passado e à cultura da minha origem, causou-me dificuldades em aceitar o lado não-táctil da vida. Ao ponto de sentir vertigens ao olhar para dentro de mim mesmo, pus o meu sistema de crenças em causa sem ter consciência da importância de o fazer, chegando a duvidar da minha sanidade.


Recordo-me de ainda em Lisboa já ter contacto com algumas “ideias” relacionados com uma nova percepção do Mundo. Essas “ideias” agarravam-me. Houve um momento, que absorvido pela novidade dessas “ideias”, percebi que tinha que tomar uma decisão: “Eu acredito mesmo nisto?”. Por um lado, fascinava-me a “conexão” e as “energias”, entre outras coisas, por outro lado era assombroso, pois representava um cânone de vida completamente diferente. Na altura, escolhi acreditar. A partir daí iniciei um pequeno caminho pelo qual tenho muito carinho, mas sempre dentro da minha zona de conforto. Hoje, ao longo da viagem, e cruzando-me com outros seres possuidores dum conhecimento bem mais profundo e espiritual de si mesmos e do Mundo, entendi que eu apenas conhecia as definições. Tinha a capacidade de interpretar, mas não de sentir, de facto, aquelas “ideias” novas.



Como resultado, para mim não passavam mesmo disso, de “ideias” - meros conceitos com os quais eu construía teorias, e não caminhos. Esta abordagem levou-me sempre a racionalizar todo o meu desenvolvimento pessoal. E essa racionalização impediu-me de sentir. Não sentindo, é impossível acreditar. O que eu descobri a este ponto da viagem, é que eu sou bom de conceptualizar, mas não me permiti mais que isso até agora. Essas “ideias” nunca se interiorizaram em mim, eu nunca efectivamente mudei os meus padrões e sistema de crenças, porque nunca levei essas “ideias” para o lado das emoções. Na altura, quando “decidi” acreditar foi uma ilusão, porque acreditar não se “decide”.


Este despertar atirou-me contra um passado que eu julgava já não existir, já não exercer tanta força em mim. Uma sombra que eu julgava já não ter uma presença tão próxima.


(Re)descobri que ainda estou preso emocionalmente a valores, definições, preconceitos, paradigmas e padrões velhos. Tudo velho. Até agora, distraí-me apenas tentar organizar e interpretar conceptualmente novas “ideias”. Está na altura de deixar cair essa protecção. Está na altura de tirar o foco da racionalização, e apontar a minha observação para as emoções. Não me reprimir e permitir-me. Abrir-me à espiritualidade. Essa é a minha vontade agora. Desejo soltar as amarras, deixar-me ir onde a corrente me levar. Não me refugiar mais do medo de sentir, continuando a racionalizar como única forma de absorção das aprendizagens. Mesmo que nem sempre sejam agradáveis as emoções que possam originar-se dentro de mim. Pois, no fundo elas representam uma nova, grande, cósmica e desconhecida visão do Mundo e do meu Eu aí envolvido.


É tempo de aceitar. Amar-me. Acreditar. Deixar virar realidade. Trabalhar-me com positividade. Como dizia D. Juan, dar o melhor de mim como se fosse a última batalha. Não ter mais medo da cura, do que daquilo que tem que ser curado dentro de mim.“



Naquela noite, não racionalizei.

Não repeti simplesmente estas palavras para mim próprio, dentro da minha cabeça.

Fechei os olhos e consegui sentir, depositar e entregar a intenção por trás das palavras.





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