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Cadê a porra do Piauí?

Foto do escritor: PéterPéter

Há histórias que começam sem nós sabermos. Por vezes, algo sucede e o que parece um acontecimento isolado é, na verdade, o início de algo que apenas se vai desenrolar mais tarde. É como se não houvessem pontas soltas na história de cada um. Por outro lado, se o principio de mais um episódio das nossas vidas pode estar a acontecer agora mesmo - enquanto eu escrevo isto ou enquanto tu lês - talvez o final esse nunca exista. Quando sabemos que um capitulo se encerrou de facto? Eu diria quando o intuímos de alguma forma e com base na observação de alguns factores relativos. Daí, por vezes, acharmos que certos ciclos da nossa vida se fecham e novos se abrem. Mas a certeza de que o desfecho duma qualquer história é definitivo nunca teremos, eu penso. Nem mesmo em relação à nossa própria morte.


A história de mim, da Catarina, do Ricardinho, da Violeta e do ser que na sua barriga se fazia florescer, começou muito antes daquela manhã quente em que partimos para a estrada com o objectivo e a determinação de enfrentar o interior do Brasil. Diria que para nós começou quando, insatisfeitos com a movida meia universitária da praia de Pipa, decidimos ir até ao Ceára, passar a passagem de ano na eco-aldeia Flecha da Mata. Aí ficamos a fazer voluntariado também e foi assim que conhecemos o Ricardinho e a Violeta. Para eles talvez a história possa ter começado um pouco antes. Tanto quanto me diz respeito saber, posso adivinhar que o início da nossa história em comum, para eles sucedeu quando uns meses engravidaram. Sob o pretexto de saírem um pouco da eco aldeia para organizar as suas vidas, eles juntaram-se a nós para esta aventura que acima referi: cruzar o interior do Brasil, atravessando três dos estados maiores e mais quentes do país.


Nós sabíamos que a jornada ia ser longa, mas presumo que ainda assim nenhum dos quatro adivinhava o quanto. Saímos de Canoa Quebrada relativamente cedo e o Sol já nos torrava a pele. Como viria a se reproduzir nos dias seguintes, conduzimos o dia todo sempre com esta sensação do calor derreter o nosso corpo, como se fossemos relógios do Dali. Enquanto a Catarina, o Ricardinho, a Violeta e o ser que se fazia florescer na sua barriga se revezavam entre os lugares da frente e o sofá na parte de trás da carrinha, eu assumia o meu posto fixo com as mãos a suar no volante e os sovacos a pingar. Viajar em grupo é sempre divertido. A nossa rotina (minha e da Catarina) é sempre alterada e a nossa zona de conforto posta à prova. E essa é uma sensação boa. Dar boleia a alguém em parte é como receber visitas em casa e eu gosto de sentir que as pessoas estão confortáveis.



No Brasil não se pode vacilar muito quando estamos no meio do nada. Quando o Sol começa a se pôr, é bom que já tenhamos encontrado um poiso para nós também. Foi precisamente o que aconteceu na primeira noite. Após mais uma das mil e umas curvas percorridas naquele dia, ao final da tarde, avistei um telheiro junto a um lago um pouco mais abaixo da estrada. De imediato, intuí que ali era um bom lugar para ficar. Olhei para o lado e o Ricardinho e a Violeta já me olhavam com um sorriso, como quem viu o mesmo e leu, igualmente, o meu pensamento. Demos meia volta e fomos perguntar à casa junto do telheiro se poderíamos pernoitar ali. A resposta foi afirmativa. O casal da casa servia comida e usava o telheiro como esplanada, mas apenas ao fim de semana. Foi perfeito. Estacionamos junto ao telheiro e os nossos amigos armaram a tenda debaixo do mesmo, pois a chuva estava a aproximar-se a olhos nus. Rapidamente recolhemos lenha para uma pequena fogueira. Fomos comprar umas cervejas aos nosso anfitriões e ainda recebemos como oferta um excelente naco suculento de carne proveniente ao pescoço do boi. Para mim foi dos melhores churrascos da viagem! A Violeta e o seu dom natural argentino avisaram quando a carne estaria no ponto e não falhou!



Já de noite e a pingar fora do telheiro ficamos um pouco à conversa com a senhora da casa e o seu filho Pedro Henrique, uma peste de 5 anos que adorou-nos a todos, inclusive à Levi, a quem dava ordens militares para ela pousar a bola no chão! O cão que não tem um feitio nada fácil até piou fino com aquele ser pequeno, gorducho e energético!



No dia seguinte, nenhum dos nossos despertadores teve a perspicácia de acordar mais cedo que o Pedro Henrique. Eu e a Catarina despertamos com a criança aos berros: “Cadê a mulher?! Cadê a mulher?!” Mas a versão do Ricardinho e da Violeta foi ainda mais cómica, pois o pequeno diabrete berrava isto enquanto batia na tenda dos nossos amigos tentando abri-la, para não dizer arromba-la tal a sua brusquidão. Digamos que este era o seu jeito peculiar de demonstrar o quanto tinha gostado da Violeta na noite anterior. A “mulher” e os outros três lá apareceram e o cão também, recomeçando a instrução militar canina:





Tomamos o café da manhã ainda abananados com o começo do dia e depois da fotografia de família, seguimos viagem. Todos estávamos confiantes que ainda nesse dia - talvez até nessa manhã - chegaríamos ao Piauí, o próximo estado. No mapa não parecia assim tão longe, mas os quilómetros pareciam não passar, o calor parecia sufocar cada vez mais e a estrada um infinito imenso. “Cadê a porra do Piauí?” Gritávamos nós desesperados, imitando o Pedro Henrique pela manhã.



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