Em casa dos meus pais, o Sol espreitou pela persiana, para nos despertar para o dia de partida. Calçamos as botas, passeamos o cão, empilhamos as malas e arrancamos da Rechousa para o Mundo.
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Partimos cedo e fomos ao ritmo ditado pelo pé direito do Luis. Em 27 anos, nunca o vi falhar uma hora prevista de chegada. Deveríamos dar entrada no aeroporto às 18.00h para embarcar com calma. Assim que não me preocupei, quando o Sol nos abandonou na fronteira com Espanha, ao final da manhã.
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As cinco barrigas nervosas (a da Levi incluída) começaram a reclamar. Paramos para comer num restaurante atolado de pessoas e neve. O tempo mudara definitivamente. Teríamos que aguardar uma hora. Conferenciamos e decidimos esperar, todavia tínhamos tempo suficiente, de forma que a Dulce agarrou-se ao aquecedor e nós fomos revezando uma cadeira junto à porta.
De energia renovada, voltamos à estrada. Madrid estava perto, supostamente. Para nossa surpresa a pequena geada era agora um nevão e a causa da auto-estrada ter sido encerrada. Se não tivéssemos que ter esperado uma hora para almoçar, seríamos um dos carros que lá estavam bloqueados pela tempestade, e que assim ficaram por mais de 24 horas, como viemos a saber mais tarde.
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Tomamos a estrada nacional, como alternativa. O ponteiro do relógio avançava bastante, dando voltas sobre si. Mas não era o único. Pelo pára-brisas enregelado, vimos um espectáculo desenvolver-se à nossa frente. Carros valsavam no asfalto, ora patinando livre e artisticamente, ora sem sair do sítio, como gaivotas contra o vento. Outros atravessavam-se na estrada imobilizados, impedindo os dois sentidos de circulação. Com a sorte de termos tracção às 4 rodas, fomos contornando todos os bailarinos desta matinê automobilística. Pela berma, por fora, por dentro, por cima até, se fosse preciso. A hora prevista já tinha chegado e nós não!
À medida que nos aproximávamos de Madrid, a altitude baixava e as condições melhoravam. Acabamos por ultrapassar a anarquia instalada pela tempestade, para penetrar nos acessos organizados à entrada na cidade e seguirmos as placas para o aeroporto, como a Levi segue os paus atirados.
Entre filas e um portunhol manhoso, tratamos de tudo. Demos um calmante à Levi, embora a Catarina talvez necessitasse mais, e metemo-la na sua caixa. Entregamos a caixa a um desconhecido e ficamos a ouvi-la ladrar à distância. Agora éramos só nós os dois, com as malas nas costas e o coração nas mãos.
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A viagem de 13 horas, passou mais rápido do que eu alguma vez imaginara. O cansaço era tal, que adormecemos de imediato. Quando acordei, o avião estava às escuras. Abri a persiana e o Sol tornou a entrar pela janela novamente, mas desta vez era o Verão da América Latina que despertava. Já de visto carimbado, fomos encontrar a Levi junto à passarela das bagagens, no terminal. Muito sossegada, esperava por nós, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Como sempre, as despedidas nestes momentos acabam por ser atrapalhadas pela falta de tempo. Lembro-me de abraçar os meus pais e destes nos recordarem que a nossa casa à qual voltar em Portugal. Não nos esquecemos. Mas neste momento temos um continente pela frente, e um lar onde decidamos parar para ser felizes.
7 de Janeiro, 2018
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