Entre as várias pessoas que atraímos no Uruguai, uma delas tomou mais o nosso tempo e os nossos ouvidos atentos. O Carlos é uma personagem de meia idade, que se desdobra a falar. Ainda por cima, não só em espanhol, como em brasileiro e alemão também.
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Viajou pela Europa nos anos 80 e estudou e trabalhou em Berlim. Quando voltou a Montevideo, trazia um projecto de uma urbanização sustentável. O mesmo deu-lhe direito a uma congratulação da Câmara Municipal e da faculdade de Belas Artes, mas dinheiro e investimento não havia, pelo que se guardou na gaveta e novos planos surgiram, como por exemplo dar aulas de inglês por telefone. Uma loucura na época, disse ele.
Hoje vive naquela que foi a casa da sua família. Transformou-a naquilo a que chama de casa verde, e recebe hóspedes e voluntariado. Não que hajam, de facto, muitas plantas espalhadas por ali. O verde surge da ideia de reciclar, reduzir e reutilizar. Assim, pode-se dizer que é, na verdade, uma casa repleta de lixo que foi recolhido e adaptado a novas funções domésticas. Passamos algumas tardes no seu pátio a conversar. Muitas foram as histórias cómicas que nos contou da sua vida, desde a infância até à estadia pelas bandas europeias. Mas mais do que isso, ajudou-nos a perceber um pouco melhor a mentalidade do país.
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Penso que toda a economia mundial vive a febre das promoções. Todavia no Uruguai não se trata de levar 3 e pagar 2, mas sim, de levar 40 ou 50 de cada vez. As panaderias estão repletas de exaustivos menus, compostos por um número largo de pães, sandwiches calientes e uns quantos doces. Não percebíamos o motivo de alguém comprar com tanta frequência este género de cabazes. Intrigava-nos também os pacotes de 5 kilos de massa ou 2 kilos de cereais para o leite, por exemplo. Segundo o que o Carlos nos explicou, a situação mais comum é três ou quatro gerações duma família partilharem a mesma casa, daí a necessidade de comprar artigos comuns a uma escala bem maior. Os ordenados no Uruguai são estupidamente baixos face ao custo de vida. Como agravante, também não existe emprego, e muitas das vezes as pessoas vivem de dois ou três biscates que conjugam.
Todo o amante de automóveis, já ouviu falar que no Uruguay existe uma grande cultura de clássicos. É verdade… não é verdade. Sim, existem bastantes carros antigos na rua… todos estacionados na berma, porque nenhum anda. É possível ver muitos automóveis que devem ser aves raras na Europa, principalmente no que toca às máquinas americanas, mas a verdade é que pouco mais se vê para além de uma carroçaria enferrujada, uns quantos vidros partidos e um radiador preso com abraçadeiras. As pessoas não têm capacidade económica para estimar os carros. Por isso, não se trata de colecção, suponho que simplesmente os vão guardando por serem frutos de heranças ou terem algum significado especial.
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Um dia ouvimos na rádio uma notícia que informava, que a poucos dias de acabar Janeiro, já tinha havido mais assassinatos do que dias do ano no país. Esta informação surpreendeu-nos. Percebemos então que estas mortes, são do género de casos que se passam em aldeias do interior, onde o homem apanha a mulher a traí-lo com o amigo e mata-os aos dois, ou dois vizinhos que se zangaram por causa do gado, e um mata o outro. Não são crimes derivados de assaltos, como acontece por exemplo no vizinho Brasil. Contudo, crimes que são correntes, precisamente, no Brasil há já alguns anos, começam agora a aparecer aos poucos em Montevideo.
O Carlos contou-nos que há uns tempos um amigo seu, foi assaltado dentro do carro, quando uma mota parou ao seu lado e apontaram-lhe uma arma. Passado uns dias, em conversa com uns hóspedes em casa do Carlos, estes perguntaram como era Montevideo a nível de segurança. Este amigo do Carlos estava presente, e rapidamente se apressou a responder, que era uma cidade mais do que segura e que não se passava nada. Isto deixou o Carlos indignado. Mas o Uruguaio é mesmo assim. Ninguém se chateia muito com nada, mesmo que haja escândalos políticos, dificuldades económicas, criminalidade e outros problemas. Mas não se trata só de conformismo, o Uruguaio é um teimoso optimista, pois não só se resignam, como continuarão sempre a defender que o país é bom como está e ponto final.
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Entre as tardes de conversa, ainda tiramos algumas fotografias à casa para que o Carlos pudesse renovar a sua imagem nas redes sociais e nos sites de alojamento turístico. Em troca, levou-nos a um segredo de Montevideo, daqueles que o Anthony Bourdain gostaria de visitar se estivesse na cidade. Fomos ao café da praia duma amiga sua de longa data. Mais simples não podia ser e tinha tudo o que precisa para ser comemorável, uma mesa em cima do areal e petiscos deliciosos, maioritariamente marisco. Tudo a um preço bem económico! Descobrimos o primeiro mimo gastronómico da nossa viagem, de nome: Miniaturas. Pouco mais é que pescada frita, envolta num polme crocante. Mas com calor e cerveja, torna-se viciante. Mais tarde, já pela costa, viramos a comer algo parecido, os Buñuelos. O tipo de fritura é semelhante, mas estes têm algas no interior. Ainda melhor!
18 de Janeiro, 2018
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