
Na segunda semana entrei em força na Mandala. Segunda comecei o dia às 5 da manhã para preparar o café da manhã. A Nathy ajudou-me e apesar da hora foi bem divertido. Ela cortou todas as frutas e fez o couscous - que na Bahía é de milho e não de trigo. Eu cozi a mandioca, fiz o mingau, o café e o chá. Só no fim mexemos os ovos e “Tantan!” café da manhã pronto.
Infelizmente neste dia calhou-me a pior, mais detestada e temida função: ralar o coco! Já tinha visto a Annie a fazê-lo e até parecia simples. Começamos por abrir o coco ao meio com as costas de um facão. Quantos menos golpes melhor, mais direitinho e dividido em duas metades iguais fica. Mesmo com muito empenho os meus primeiros 20 cocos saíram autênticos Frankensteins! O passo seguinte consiste em segurar a metade do coco e pressionar contra uma lâmina que rala. É como se fosse espremedor de laranja, mas na vertical com lâminas e muito forte. Nas primeiras duas horas de trabalho e 20 cocos ralados não pareceu tão difícil, a segunda parte é que foi pior. O corpo já está cansado, a mente desliga do trabalho repetitivo e de repente “Ai!”. É quando acontecem os acidentes. A casca escapou-me das mãos e acabei por cortar a carne e a unha do dedo médio esquerdo. Como sou muito forte, ultrapassei bem o sucedido. Ahaha, não! Quase desmaiava com o sangue e depois de finalizado o curativo, voltei a medo para a função. Pronto, a partir deste incidente ganhei medo e o tempo restante foi uma tortura! Essa hora e meia prolongou-se por uma eternidade e, pior, fiquei a tarde e a noite toda pensando se no dia seguinte teria que repetir a dose.
Durante a tarde fomos os dois de caiaque até à Pedra do Sabiá. Na semana anterior o Pedro já tinha ido duas vezes. Na primeira com o Pedro pequena e na segunda com o Miguel. Eles adoraram o passeio, o motorhome e o Pedro. Ahaha! Atravessar o rio, de água quente, com margens verdes e exóticas, ilhas de nenúfares itinerantes, as cores douradas do entardecer, uma brisa morna e uma chuvinha tropical é, simplesmente, mágico.

No dia seguinte o meu pior pesadelo sempre se realizou. Voltei para o ralador! Bem, hoje posso dizer que apesar do medo e algumas lágrimas de pânico foi um bom exercício para fortalecer o caracter! Ahaha! Nesta tarde, o meu dia de limpar as áreas comuns, aprendi a fazer desinfectante natural: batem-se cascas de laranja com um pouco de água, coa-se este liquido para uma garrafa, deixa-se fermentar por 8 horas e para cada meio litro de água adicionam-se seis tampas de álcool. Fica um cheiros e biodegradável desinfectante.
A partir de quarta-feira a minha experiência na aldeia mudou. Propuseram-me que ficasse com as crianças na escolinha nas primeiras duas horas da manhã e nas duas horas seguintes fui revezando com a Michelle entre a cozinha de produção e a cozinha comunitária. Nõ podia ficar mais feliz, manhãs dedicadas a duas das minhas coisas favoritas.
Comecei assim um novo ciclo com as crianças. Até ao final da semana decidi adoptar um estilo de sociocracia, para os conhecer melhor e compreender os seus interesses e necessidades. Assim, pela manhã sentávamo-nos em circulo, falávamos de como nos sentíamos e cada um dizia o que queria fazer pela manhã. Este método é particularmente interessante porque eles tinham de encontrar uma forma de consenso. No inicio as ideias do Pedro, o mais velho, prevaleciam. Mas com o passar do tempo isso foi mudando e os mais novos foram impondo a sua vontade. Outro facto curioso, que me fez mudar de estratégia, foi que apesar de serem eles a proporem as actividades depois, na prática, não as queriam fazer! Não cheguei a compreender bem esta inércia. Pode ser que eu não conduzisse da forma mais dinâmica. No primeiro dia fomos para a floresta recolher folhas para decalcar e pintar. Depois lemos uma história. E, por fim, fomos aprender e treinar nadar no rio. Todos munidos de macarrões. Ainda bem que o Pedro pequeno é um nadador exímio pois ajudou-me muito com os outros três que ainda não sabem andar (no final do mês o Miguel já nadava sozinho, feliz e frenético). No dia seguinte, começamos a plantar umas hortaliças no jardim, ajudamos a recolher folhas para o composto e fomos para o rio. Na sexta-feira, regamos as plantas, fomos de novo para a floresta, de novo contamos uma história e de novo fomos para o rio! Definitivamente o meu plano não estava a resultar. As actividades estavam repetitivas.
De tarde fomos até à segunda cachoeira. Por fim o tempo abriu, então aproveitamos uma tarde ensolarada nas lajes da cachoeira com o Pedro pequeno, o Miguel, a Nathy e a Levi. O Pedro grande continuava a ser o rei das brincadeiras aquáticas.
Sexta-feira foi um dia tenso. Eu estava a fazer o almoço sozinha, com a agravante que nesse dia iríamos leva-lo até à casa do Thiago e da Luna, na zona alta, onde todos os rapazes estavam a trabalhar. Fiz uma comida que se pudesse levar nos tachos e estávamos (quase) todos a subir com panelas, pratos e etc, em fila indiana, quando os da frente voltaram para trás a correr e a dizer: “Vamos, vamos! Depressa! Voltemos!”. As crianças começam logo a perguntar o que se passa, mas ninguém lhes responde. Os adultos que não estavam a par tentaram acalma-las e fomos numa correria até à cozinha comunitária. No meio da confusão, acabamos por ficar só as mulheres e as crianças e, por fim, a Connie explicou-me em inglês, para os pequenos não perceberem, que estava a haver um assalto. Uns homens armados tinham amarrado a Vitória e o Thiago a uma árvore e nesse momento, não sabíamos que mais se estava a passar. E do Pedro eu não tinha nem ideia. Não sabia onde ele tinha passado a manhã, se estava lá em cima ou não, se estava tudo bem ou não. Enfim, uma agonia. Tentei manter a calma e entreter as criaturas pequenas. Aos poucos, as pessoas foram descendo, a Vitória, o Thiago, os rapazes e o Pedro pareceram intactos, mas ninguém encontrava a Luna, a grávida mais grávida de todas! Passadas mais umas horas de agonia, por fim encontraram-na, tinha ido à segunda cachoeira, alheia a toda a confusão. Afinal, pelo que percebemos três rapazes tinham vindo para assaltar, mas ficaram desorientados pelo espaço. Acabaram por apanhar a Vi e o Thiago que iam subindo na frente, roubaram os seus celulares e fizeram várias perguntas sobre o espaço e tal. Como em nenhuma das casas de cima havia nada de valor, acabaram por ir embora, amarando-os antes a uma árvore, não se percebendo muito bem porquê. O perigo passou, mas a sensação de insegurança ficou por vários dias. Ajudou-me muito observar a forma clama e ponderada com que a Leticia lidou com a situação, não alterando o tom de voz, batendo-se focada e atenta, teve até discernimento para meditar durante a confusão. Ela, o Jorge e a Ana acabaram por dormir duas noites cá em baixo até se sentirem seguros e fortes para voltar à vida normal. Nós tivemos muita sorte por a carrinha estar estacionada do outro lado do rio, uma vez que os assaltantes estroncaram as portas dos carros da aldeia. É que ainda não deixando nada de valor no carro, só uma porta estroinada ou um vidro partido é uma despesa incalculável pela dificuldade encontrar peças. Mas todos se esforçaram para voltar à rotina e no final da tarde, depois de descansarmos, fui entrevistada pela Nathy, que navega no google maps pelo país de cada voluntário. Aprendemos que cabem noventa e nove Portugais no Brasil! Dormimos com uma sensação hostil e sem saber se estaria tudo bem com o nosso carro.

No Sábado, imediatamente após a limpeza, o Pedro foi checar e voltou com boas e aliciantes noticias. Durante a tarde continuei a estudar sobre o cérebro das crianças e preparei as “actividades da semana seguinte”. À noite o Sam fez uma moqueca de peixe deliciosa.
Todos os domingos de manhã os moradores têm a sua reunião semanal. Antevendo que devido ao assalto esta seria uma reunião particularmente difícil eu e o Pedro oferecem-nos para fazer o almoço. Esfalfamo-nos na tarefa, manhã inteira dedicada aos cozinhados para oferecer uns hambúrgueres de feijão em cama de beringela, maionese de courgette, arroz árabe e batata doce. Uma iguaria (:
Pela tarde apanhei um romance da biblioteca comunitária - a culpa é das estrelas - e não consegui parar até terminar o livro!
Estas semanas foram para o Pedro de muito trabalho de construção, com tantos bebés quase a nascer era prioritário terminar as obras nas casas familiares, esteve a instalar arame farpado, nívelar o chão de uma casa e reparar a estrutura de outra. Acabou por trabalhar muito com o Thiago, conhecendo melhor a história deles. A Luna e o Thiago conheceram-se na Aldeia como viajantes fazendo voluntariado, no final desse mês cada um seguiu a sua rota, mas acabaram por se voltar a encontrar mais adiante, unindo assim os seus caminhos. Quando descobriram que estavam grávidos decidiram voltar para a Aldeia! E foi assim que os conhecemos, expectastes, calmos, amigos. A luna como uma deusa da floresta e o thiago um guerreiro do bem. Confiantes, sempre nos diziam que “as coisas correm como têm de correr”, por isso decidiram ter uma gestação e um parto naturais. Sem saber o sexo do neném, escolheram o nome Cristal, pelo simbolismo de força e energia.

Também nos aproximamos muito da Michelle e do Laurence, até à conta das crianças, como eles moram mesmo no centro da Aldeia, está sempre toda a gente metida na sua casa. Em busca por uma vida diferente, sairam de Minha Gerais e de seus empregos há cerca de dois anos, tendo estado até ao momento a percorrer vários projectos alternativos. Falamos muito sobre a descolarização ou no-schooling, que defende o crescimento libre das crianças. Eles foram uma inspiração muito grande para nós, demonstrando que nunca é tarde demais para mudar, e que mesmo com três criaturinhas pequenas é possível perseguir seus sonhos e crenças. Acima de tudo que não faz mal ter incertezas e que mesmo quando as coisas correm “mal” ou diferente do que esperávamos, está tudo bem. Aceitar, entregando-nos ao fluxo da vida com confiança e agradecendo. Sempre agradecendo, pela dádiva do dia - nunca nada é tão ruim, que não possa piorar.
コメント