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Falar sobre a nossa experiência na Aldeia é falar sobre expectativas.
Desde o início deste sonho que o objectivo sempre foi encontrar/descobrir estilos de vida alternativos e, mesmo sem querer, fomos fantasiando como estas vidas seriam: independentes de dinheiro, em conexão com a natureza e em comunidade. Como qualquer expectativa, dificilmente a realidade consegue supera-la. Assim, fomos andando um pouco de desilusão em desilusão: na Argentina e no Chile, quase todos os o voluntariado eram pagos e não encontramos nenhuma comunidade - demos o benefício da dúvida: somos nós que não estamos procurando bem, escrevendo boas cartas de apresentação, enfim, a culpa era nossa. No Paraguay foi uma surpresa, acabamos por aprender imenso de agricultura biológica, mas faltavam as outras duas partes da expectativa. Assim, depositamos toda a nossa esperança no Brasil! Porque é enorme, porque é mestre em permacultura, porque as pessoas são calorosas e simpáticas…aqui sim, iríamos encontrar o lugar perfeito! Não funcionou assim. Espantamo-nos e revoltamo-nos com todas os Institutos de Permacultura e com as comunidades e eco-aldeias maiores, que cobram um valor para fazer voluntariado, sendo estas contribuições bem pesadas! Então, a cada resposta, a cada quilometro deste gigante pais fomos perdendo a esperança e resignando-nos à nossa condição de viajantes.
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Tudo mudou quando repentinamente recebemos a resposta positiva da Aldeia, uma comunidade na Bahia que não cobrava nada! Só tivemos tempo de negociar a presença da Levi, fechar datas e voar até lá. Tentamos não antecipar muito, mas no fundo no fundo os nossos corações palpitavam de expectativa!
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Chegamos a Itacaré, Ilheús, com um dia de antecedência e aproveitamos a praia mundialmente conhecida pelo surf. Paradisíaca àgua azul cristalino e quente, areia farinha - como diz a minha avó Beatriz - e coqueiros a providenciar uma sombrinha imprescindível. A Levi simplesmente delirou e nós não lhe ficamos atrás. À noite aproveitamos para nos despedir das refeições omnívoras com um peixe na banana da terra, num dos restaurantes que a forte infraestrutura turística oferece. Dormimos no estacionamento da feira de artesanato, junto de outros viajantes pé descalço.
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No dia seguinte seguimos em direção à Aldeia: 20km acima do rio das Contas. Chegando à Pedra do Sabiá, uma fazenda-hotel vizinha da Aldeia, estacionamos o nosso carro numa sombrinha, pois sem 4x4 é difícil chegar à Aldeia. Malas, malinha e maletas às costas, mais a Levi, mais as Kombuchas, mais um saco de 10kg de comida de cão lá chegamos ao cais, onde cinco minutos depois apareceu o Sam com a lancha para nos levar até à outra margem. A Levi adorou a viagem e tivemos uma entrada super tranquila na Aldeia. Ahahaha, claro que não! Ela chorou a travessia toda de barco, saltou para a margem quase em andamento, desatou a correr Aldeia dentro, cheirando os pés de todos, rosnando aos outros cães e criando o maior alvoroço. Tudo isto sob o sol esturricante da Bahia. Claro que tudo depende da perspectiva, segundo o Pedro, para ele foi como chegar ao Olimpo: a travessia no exótico rio de contas, o cais com todos os rapazes a trabalharem em tronco nu, de cabelos ao vento, a entrada no túnel de flores e folhas e as crianças, correndo livres e alegres na Aldeia (:
Enfim, depois de guardarmos a Levi no quarto que nos estava destinado conseguimos começar as apresentações.
As crianças primeiro: o Miguel, o pequeno moreno de cinco anos, foi o primeiro a chegar perto de nós, mostrando-nos como consegue mover a barriga como uma cobra. Depois o Pedro, seu irmão de oito anos e olhos que refletem o céu, fez acrobacias no trapézio como forma de apresentação - mas o que nos viria mesmo a surpreender é a forma como sobe às árvores! Daí chegaram as meninas- a Ana Terra, com 3 anos e muitas palavras para partilhar, além de um fascínio por machucados, e a Maia de seis anos e porte de Deusa Inca. Não Naty, que já não é criança, apresentou-se mais no final do dia, de forma casual e despreocupada, como qualquer boa adolescente de 13 anos.
Aos poucos os adultos: a Leticia, a Vitória e a Luna, as três gravidas - no parto de duas das quais haveríamos de estar presentes - e os respectivos companheiros: George, Gabriel e Thiago. Falta o Fabricio, o mais enérgico da Aldeia, e sua companheira Gabriela que também está gravida. O Laurence e a Michele, pais dos dois meninos e da Naty. Por fim o Sam e a Liz, pais da Maia e percursores da Aldeia, seis anos atrás.
Feitas as apresentações e mesmo antes do almoço chegaram os outros voluntários: as alemãs Connie e Annies de 50 e 20 anos, e o casal brasileiro Oda e Fernanda com a sua filha de um ano Lívia. Almoçamos todos juntos, como aliás viria a acontecer com todas as refeições e à tarde tivemos uma apresentação do espaço pelo Sam.
A Aldeia começou com o Sam e mais alguns amigos depois de se terem conhecido em Inkiri Piracanga - uma das que cobra bem alto para fazer voluntariado, hoje em dia. Encontraram este terreno cada um comprou um lote. Seguiu-se a fase da construção das casas particulares e depois disso o grupo inicial desfez-se. Mas as casas ficaram, então hoje a Aldeia tem duas áreas residenciais: a baixa, na margem do rio, onde ficam os espaços comunitários, dos voluntários e as casas do Sam, da Liz, da família da Michelle, da Vitoria e do Gabriel e do Fabricio e da Gabriela. e a alta, a 10 minutos a pé atravessando a floresta de cacau, junto à cachoeira. Ai vivem a Leticia, o George e a Ana numa linda casa circular e a Luna e o Thiago numa maravilhosa casa de bioconstrução.
Viviam também a Vitoria e o Gabriel numa casa construída por eles perto da agro-floresta, mas a sua casa ardeu - fruto da loucura de um vizinho - de forma que agora estão na parte de baixo. na área comunitária há um deco, uma horta e uma escola em construção. Há também a cozinha comunitária, acima dos quartos dos voluntários e a cozinha de produção onde se preparam os produtos da aldeia: manteiga de cacau, amendoim e castanha de caju, creme de cacau, óleo de coco, tahine e ghee.
No final da tarde a Vitória apresentou-nos as tarefas diárias: limpeza, café da manhã e jantar eram divididos segundo a mandala: um sistema rotatório em que cada pessoa ficava encarregue de uma dessas tarefas. Basicamente acaba por ser uma semana de tarefas e uma semana de pausa total! Falta só falar sobre o nosso quarto: um pequeno compartimento em madeira, onde uma cama de casal e várias janelas sempre abertas nos abrigaram por um mês. Das nossas janelas viamos as estrelas, a chuva, as folhas das palmeiras, a casa da Liz e a cozinha comunitária. Por cima de nós dormiam o Fabricio e a Gabriela, então sempre que ela acordava para fazer chichi no seu potinho eu também tinha de me levantar para ir ao banheiro, ahahah. A Levi acabou por passar bastante tempo aqui, pois não se deu bem com os dois cães: o Samba e a Amora.
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A nossa semana começou bem cedo, às 6:30 tocou o sino para o café da manhã, mas meia hora mais cedo já tínhamos saltado da cama para passear a Levi e fazer yoga. A visão do café da manhã foi deslumbrante: Salada de frutas, mingau de aveia, ovos mexidos e mandioca!Regados a café ou chá! Paraiso (: Para mais, só começávamos a trabalhar às 8h, então havia muito tempo para comer, descansar e tratar da higiene pessoal. O trabalho era dividido entre construção: havia duas casas para acabar antes de nascerem os bebés, e sempre muita manutenção para fazer, a horta e a cozinha de produção. Neste primeiro eu e a Anie fomos para a cozinha de produção: ela esteve a ralar coco e eu estive a prensar o óleo. Primeiro temos de colocar o coco ralado na secadora em redes largas, e logo depois de seco coloca-lo, colher a colher na prensa, que pinga óleo de um lado e dieta a fibra de coco no outro (que se usa para fazer o mingau). não era o mais dinâmico dos trabalhos mas foi exótico /: Além de que o melhor de trabalhar na cozinha de produção é o cheiro: cacau, cocô, amendoim…unham!
A jornada de trabalho acaba meia hora antes de almoço, assim ao meio dia fui tomar um banho até escutar o sininho de novo (: A Michele é a encarregada dos almoços, mas acabamos por ir revezando essa tarefa, a meio de mês. O almoço era sempre bem consistente: arroz, feijão, farofa, uma salada grande e contundente e legumes. Uma delícia portanto, mas que no final do mê já nos fazia inchar a barriga, de tanto feijão.
Durante tarde lemos, brincamos com as crianças, passeamos a Levi e esta foi, basicamente a nossa vida durante um mês. Algumas tardes passeávamos de caiaque, outras nadávamos no rio ou dormiamos. Escrito assim parece monótono, mas havia sempre coisas novas a acontecer.
Quarta, quinta e sexta dedicado-nos à colheita de cacau! Assim em jeito de introdução, ficamos logo extasiados com o fruto em si: as suas cores derivam entre verde claro, amarelo limão, dourado, vermelho, bordô e castanho. O mais exótico fruto, mas com cores de outono (: O seu tamanho também nos surpreendeu, alguns chegavam à altura do nosso antebraço! E o peso, , bem, esse sentimos no lombo. A colheita faz-se com uma tesourinha de poda, para os que estão baixos, e um podão para os que estão lá no alto das árvores. Enquanto uma equipa corta os cacaus, a outra vai transportando-os no carrinho de mão até ao local onde seguidamente serão tratados. Esta foi a minha função, andar a cirandar a floresta por entre os cacaueiros. Claro que teria sido mais fácil se não estivesse uma tempestade tropical durante esses dois dias, encharcando pessoas e enlameando caminhos - pelo menos desta forma haviam menos bicharocos.
Ao terceiro dia, já todos os cacaus colhidos, improvisamos e sentado.nos todos a pares, abrindo os cacaus. De todo aquele fruto (e peso) apenas se aproveitam as sementes e sua polpa, assim uma das pessoas cortava a ponta do cacau como se fosse um chapeuzinho e a outra puxava esse chapéu trazendo com ele todas as sementes e polpa. Depois de separar a polpa da semente, torcendo o saco de serapilheira onde estas estavam - para fazer mel de cacau - fecham-se as sementes numa caixa de madeira, para fermentarem por uns três dias. Seguidamente é só coloca-las a secar por uma semana e seguidamente torrar. Tantan! Cacau próprio para consumo (: A polpa em si, o mel de cacau é utilizada para sumos e cocktail e é absolutamente divinal, com um sabor fresco e furtado, bem diferente da semente e do cacau a que estamos acostumados. Estes dias de colheita, apesar de duros pelo clima e pelo trabalho em si, foram muito divertidos pois pudemos conhecer melhor o George, que conversou muito connosco e tinha sempre um sorriso na cara e uma brincadeira debaixo da manga. Conectamo-nos logo com a sua forma simples, despachada e alegre de viver.
Mas nem tudo foi sempre assim tranquilo e a chuva tropical acabou por fazer das suas: Sexta-feira à tarde, depois de usarmos o mel no sumo do almoço (mnham!) estávamos todos sentados no lounge quando o Pedro Pequeno (assim chamávamos ao Pedro da aldeia, diferenciando-o assim do Pedro Grande - o deste blog): desata a gritar do deck: a lancha tinha afundado! Com a chuva torrencial a agua penetrou pela lona, acabando por afundar a lancha. Foi um corrupio de baldes, cordas, puxões, almofadas e peças a boiar! Corridas para um lado, gritos para o outro, puxa daqui, puxa dali, já a noite ia em seu inicio quando conseguiram traze-la à tona, restando apenas a dúvida se o motor funcionaria - viemos a verificar , com alívio, que sim.
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Os sábados de manhã são ocupados com a limpeza profunda da cozinha comunitária - e ó! bem que precisa! - e reposição dos alimentos pis na Aldeia só se faz compras quinzenalmente. Os alimentos são separados por semanas, para controlar o seu consumo, assim, no final de cada semana é necessário repor. É uma forma de organização bastante interessante pois quem chega recentemente não tem ideia de como distribuir o consumo dos alimentos, assim já aconteceu usarem-se praticamente a quantidade para duas semanas numa apenas. Enquanto eu anda a esgravatar a cozinha o pedro foi com Fabricio colher as fruto para a semana: bananas, cocos e jacas (: A tarde foi passada na cachoeira, com os Pedros a fazerem brincadeiras aquáticas e o Miguel atirando paus à Levi.
Domingo estive a aprender a fazer kombucha com a Fernanda (4 colheres de sopa de açúcar para 4 baquetas de chá por cada litro de água, limpar os frascos com vinagre; e para a segunda fermentação: adicionar sumo de fruta e deixar fermentar por mais dois dias). À tarde tivemos musica e caipirosca com mel de cacau - simplesmente maravilhoso!
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Esta primeira semana foi de adaptação: ao clima, às pessoas, à vida. Com a chuva tropical ficamos vários dias sem luz, chovia dentro do quarto, e a água não chegava às torneira - porque a bomba ficava submersa o caudal do rio sobe demasiado. Também a vida social foi uma novidade: com 4 das 5 mulheres residentes grávidas obviamente as conversas , preocupações e focos andavam em torno dos preparativos para os partos e pós-parto. Para mim era uma maravilha, como o tema do parto natural é uma novidade não se cansava de escutar as conversas. As tardes eram bem tranquilas, sem grandes actividades em comum., sendo que eu e o Pedro aproveitávamos para estudar e brincar com as crianças. Mas nem todos estávamos tão satisfeitos. A Anie sentia-se aborrecida e a Fernanda pânico com os bichos: demasiados mosquitos, baratas e curumins para ela. Dessa forma combinaram com o Sam e aproveitaram uma ida a itacaré para irem embora. como voluntários restamos eu o Pedro e a Connie.
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